Entrevista com Heitor Werneck

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Fotos: Thiago Marzano, T. Angel e arquivo pessoal.


Heitor Werneck é um dos maiores ícones da cultura underground da década de 90 no Brasil. Sua marca, a Escola de Divinos, vestiu milhões de pessoas, principalmente os clubbers que surgiam junto com a coqueluche nacional da música eletrônica.
No auge do Mercado Mundo Mix e da Galeria Ouro Fino, lá estava Heitor Werneck com a sua marca, sempre trazendo novos conceitos. Teias de aranha fluorescentes, coroas coloridas, sapos, lagartos e insetos eram alguns exemplos das estampas trabalhadas pela marca. Indubitavelmente, a Escola de Divinos promovia uma frenesi na moda dos anos 90.
Sempre atuando multiculturalmente, Heitor Werneck inovou mais uma vez ao organizar a feira Pulgueiro. Moda, música, arte, performance art, decoração preenchiam o gigantesco espaço que sediava o Pulgueiro. Iniciado também na suspensão corporal, algumas de suas suspensões foram realizadas durante as edições do evento.
Por possuir diversas modificações corporais, era e ainda é comum vê-lo concedendo entrevistas falando sobre o tema. O que fez sempre com particular maestria.
Atualmente, Heitor Werneck está a frente do Projeto Luxúria, uma festa de fetiche e que inclusive completa três anos em agosto.
Talvez, essa pequena introdução fosse desnecessária pela constante atividade e feitos do nosso entrevistado. Mas se faz necessário pontuar que é uma honra e grande satisfação entrevistar alguém cujo valor cultural é imensurável e singular. Confira a entrevista!

T. Angel: Sabemos que você ostenta diversos tipos de modificações corporais. Conte-nos um pouco sobre o seu processo de modificação? (Quando começou, inspirações, anseios e etc)
Heitor Werneck: Eu desde criança desejava ser um vampiro ou Jesus Cristo. risos
Ai pequeno já ficava afiando os caninos na frente da TV, e a noite botava durex na orelha para deixar elas com pontas. Eu comecei a me tatuar com onze anos, com agulha e nanquim, morava no interior. Já tive várias modificações corporais, 4 transdermais, implantes penianos, implantes no peitoral, scar, branding, cutting e brincos pelo corpo. Hoje só tenho as tattoos e as scars, branding e cutting, lógico. risos
Fiquei meio triste com a postura dos profissionais aqui do Brasil, de mods que eu fazia, eles até entendem a técnica, mas não te dão suporte se algo acontecer errado. Acredito que esta geração nova seja mais humilde e seja mais solidária. Infelizmente a postura de estrelismo destes profissionais aqui no Brasil é lendária e acho uma pena isto, porque no fundo nós somos os objetos de arte ambulante do trabalho destas pessoas e merecemos atenção. Não só por escolhermos eles como profissionais para realizar nossos projetos, mas também como seres humanos querendo ter alguma assessoria caso algo dê errado no processo.

T. Angel: Quando você diz que morou no interior em sua infância, nos situe onde exatamente?
Heitor Werneck: Fui criado no interior do Rio, depois no interior de Minas e depois no interior de SP. Meu pai era bancário, vivíamos viajando e mudando de cidade.

T. Angel: Quando você cita um desapontamento com os profissionais brasileiros em relação a falta de suporte, teve alguma situação específica contigo? (não precisa citar o profissional.)
Heitor Werneck: Tive várias situações desagradáveis com estes profissionais. Quando eles precisavam de mim pra estampar notícias ou fotos em bobologs, eram todos solícitos, quando infeccionava algo, eu tinha que ir em hospital ou médicos porque eles nem sabiam como lidar. Eu tive um acidente e bati o transdermal, para conseguir um profissional que olhasse o estado e fizesse algo foi dificílimo. A pessoa que fez estava sempre viajando. Tive que ir num cirurgião plástico para tirar. Não acho isto legal, destes “profissionais”, esta é uma das histórias, tenho váriaaas. Mas como disse, vejo mais humildade e preparo nesta geração nova, antes só tínhamos dois pop stars, hoje vejo mais profissionais e me parecem mais humildes. Isto é o mais legal, humildade!
T. Angel: Além das modificações corporais, você também pratica a suspensão corporal. O que você busca com a suspensão?
Heitor Werneck: Estudei Teologia e fiz minha pós em Ciências da Religião. Sempre tive, como já falei, fixação em Cristo e personagens sobrenaturais. Tenho muita curiosidade em religiões antigas e nos métodos de como chegar a ter experiências místicas. Todas as formas de suspensão que fiz e faço são tiradas de rituais e tento até por sons. Tenho uma tara por estar próximo de Deus. Busco sensações corporais e quiçá algum transe místico, só tive as sensações quando fiz o coma e foi uma experiência fantástica. A melhor suspensão que fiz foi a flor de lótus e com dois profissionais do caralho, o Pingüim e o Luis (Till).

T. Angel: Sua marca a Escola de Divinos, principalmente nos anos 90, vestiu muita gente. Era corriqueiro o desfile da marca entre os cybermanos das periferias e também entre as estrelas globais. Trabalhar com contrastes sociais te influenciou de alguma maneira?
Heitor Werneck: Sabe eu fui punk de rua e ai tive uma grande aula sobre mendigos e ricos e tal, todos cagam… Eu sempre acreditei que contraste de cu é rola. Odeio a classe média e seu pensamento medíocre e, sempre adorei comer ricota ou camenbert, acho mussarela comum! risos
Vestia gente que tinha a manha de se destacar e ainda visto. Aprendi que a porra underground sustenta a cobertura e os problemas de encanamento ficam nos andares do meio, então, eu fujo do meio e vivo nos extremos.

T. Angel: Em uma de suas entrevistas você fala sobre sua admiração ao modo de vida dos mendigos. Você continua os admirando?
Heitor Werneck: Eu acredito piamente na anarquia que os mendigos fazem do mundo. O mundo deles tem regras e códigos e a estética dos mendigos é linda. Gosto do sujo, das cores preto, marrom, cinza e gosto das sobreposições, do jeito dos cabelos. Gosto de tudo deles, acho uma pena morrerem de frio, mas dentro de casa também morremos…
Eles são únicos, você não vê um morador de rua igual ao outro, eles tem identidade.

T. Angel: Sei que você não seguia tendência de moda e em diversas entrevistas renegou o título de estilista, preferindo ser chamado de costureiro. Qual a sua relação com a moda num contexto geral?

Heitor Werneck: Acho um mercado de trabalho do caralho e acho que temos super profissionais legais aqui. O trampo das rendeiras do Nordeste, o bilro, o macramê, a colcheteria, o patchwork mineiro. Tivemos Zuzu Angel, Denner e um monte de gente do caralho. Acho um saco copiarmos tendências gringas, aliás, acho um saco isto só, a copia e o uso de jeans. Todo mundo com roupa igual parece uniforme, falta de estética e dizem que estão na moda? Já imaginou daqui a trocentos anos, quando forem nos estudar? A geração igual! O que acho divertido da moda é que é um império e como todo império, pode-se abala-lo. Eu sou costureiro mesmo, só tô num bairro mais caro, mas faço o mesmo processo, compro o tecido, tiro medida, corto o tecido, costuro, vendo, atendo o cliente com linha na boca e olheira por ter varado a noite, levo cheque sem fundo e tenho que correr no banco para cobrir conta.

T. Angel: Você não teme que com a busca do diferente todos acabem se tornando iguais, visualmente falando?
Heitor Werneck: Eu acho que uma busca do diferente nunca resulta num igual. Todo mundo busca algo diferente do outro, isto é muito filosófico. O que não dá é pra ver todo mundo de jeans e se achando com atitude né?

T. Angel: Conte-nos sobre o estado atual da Escola de Divinos?
Heitor Werneck: Vou abrir a loja de novo este ano. Tava meio ausente porque tive um câncer e tive como escolha entender o porquê desta doença e não ter mais ela perto de mim. Então a curei!
Vou voltar com a loja, a marca neste meio tempo eu continuei trabalhando nela com roupas sob medida e figurinos pra show e tal, mas tô abrindo de novo até setembro. Tá tudo muito parado! risos

T. Angel: A volta da Escola de Divinos está sendo citada pela primeira vez em público, é isso? risos
Heitor Werneck: Sim! É a primeira vez que falo!

T. Angel: Como foi o processo de assimilação do diagnóstico câncer?
Heitor Werneck: Eu acho que o câncer veio numa época foda. Tive uma sequência de relacionamentos ruins, um péssimo “meu primeiro amor” e um outro pior ainda. Ai minha decisão foi, vou entender a doença e o porquê dela. Fiz um curso de física quântica, fiz uma escolha de religião e voltei para minha família. Fechei a loja, a fábrica e tudo. Fiz o Luxúria no final do tratamento pra me divertir e curei tudo. Agora é só sequela do tratamento.

T. Angel: Dentre seus inúmeros trabalhos, temos o mercado multicultural Pulgueiro. Não há previsões de acontecer novamente?
Heitor Werneck: Sim! Com a loja de volta e eu voltando para SP, fica mais fácil de organizar tudo. Vou fazer o Pulgueiro e agora com apoio né? E apoio verdadeiro!
O Pulgueiro é um outro filhinho que adoro…

T. Angel: Atualmente você vem trabalhando com o Projeto Luxúria, que inclusive completa 3 anos agora. Fazendo uma análise retrospectiva, cite-nos um ponto alto e um baixo durante esses 3 anos?
Heitor Werneck:
Ponto alto da festa, as pessoas se vestirem, se produzirem e não usarem drogas pra se soltarem sexualmente. Ponto baixo, neste meio do BDSM há tanto preconceito como no meio de tattoo e mods e muita fofoca. Acho estranho como as pessoas que se sentem excluídas (eu não me sinto, pago o mesmo imposto e aliás queria não paga-los) e reis, dons, rainhas e tal não se juntam e só se agridem e se detonam mutuamente. Talvez por se sentirem excluídos. Mas não são todas as pessoas não, só uma parcela que se destaca e infelizmente aparece mais que o humilde que sustenta arte ou sustenta sua sexualidade em paz.

T. Angel: O Luxúria retorna com o dresscode, que era comum nas festas dos anos 90. Há uma resistência a esse molde?
Heitor Werneck:
Nenhuma, a resistência é minha ao mundo atual e ao falso glamour da noite atual. As pessoas que vão são lindas e produzidas e nada hypes. E pagam, não existe vip.

T. Angel: O projeto também se tornou um site de relacionamento. Conte-nos um pouco sobre esse salto para o território digital?
Heitor Werneck: Eu odeio o mundo digital, sou real, mas tive a necessidade de abrir este site. Primeiro, o Orkut deleta perfil de BDSM, segundo, fetiche, S&M e a estética S&M é minha praia. A estética punk é formada nisto, preciso de trocas de informações e de me divertir, tudo o que faço é pra me divertir.

T. Angel: Fale um pouco sobre o papel do Torture Garden como referencial para o Luxúria?
Heitor Werneck: Eu sempre frequentei e fiz festas fetichistas, quando fiquei doente fui dar um role e a dona do Torture Garden é uma amiga minha, que também teve câncer. Ela falou, vai lá e faz tua festa, se divirta no tratamento e realmente isto me inspirou e não é que tá dando certo?
Antes eu produzia algumas e ajudei em outra festas, mas ai não tinha a ver com o que acredito de festa de fetiche e sai delas. Eu queria fazer algo igual ao Torture Garden mesmo, um label, mais um lugar que o visu fosse o maior critério. Quando vi que nenhum lugar fazia isto e tive este conselho, fui lá e fiz. Chamei o Nagash, que é uma pessoa que acredito e que foi meu parceiro no Pulgueiro. Chamei alguns amigos donos de clubs em SP e que não faziam a festa por grana e sim por acreditarem no projeto (o Audio que eu sou super grato) e depois tá ai.
Hoje em dia já tem cópia até. No meio BDSM, que tanto criticou faz igual e fico triste quando vejo que gente que não deu a cara para bater tá fazendo isto, até o nome copiam. Acho um saco, já tive roupa, tatuagem, projeto copiados e agora a festa, um saco!

T. Angel: A festa brinca com o fetiche sexual, com as fantasias e similares, todavia, é perceptível um ambiente que cambia entre o lúdico e o onírico. Era um objetivo esperado?
Heitor Werneck: Sabe Neil Gaiman? O personagem Delirium, sou uma criatura de Delirium e acho que se invocamos sexualidade, mechemos com inconsciente e todo mundo dentro do inconsciente acredita num personagem né? Acho que é porque invoco deuses também, então fica energia sexual. O tantra é uma forma de magia foda né?
Sexo é lúdico e delicioso.

T. Angel: Agora existe o o Luxúria for men (and all). Essa iniciativa seria uma necessidade de separar o homo do hetero, uma possibilidade extra ou o que exatamente?
Heitor Werneck: Os gays que pediram, eu só faço lá na SoGo porque o lugar e maior e fica um espaço no terceiro andar para os gays (que na verdade entra quem quer).
Eu não acredito em separação, é principalmente isto. Mas o lugar é maior para abranger mas pessoas e também ter um lugar no domingo pra se divertir. Foi porque os gays pediram (e poucos vão aliás).
Eu odeio a cultura gay dark room, faço tudo nas claras. O povo da SoGo se mostram ótimos parceiros e também..estão apostando no projeto.

T. Angel: Existem planos futuros para os próximos anos de projeto?
Heitor Werneck: Tenho uma teoria assim, não sei se vou estar vivo amanhã. Faço de tudo pra estar e fazer mais coisas do que estou fazendo hoje, ou seja, milhões de projetos e tudo com pressa. Um deles é começar a fazer filme pornô. Você já viu como nosso pornô é péssimo, de má qualidade e mal produzido? Num país que exporta puta, puto e trans? E que todo mundo dá o cu? Eu fui júri numa feira de sexo e vi os filmes, fiquei de cara com a produção feia, vamos melhorar. risos


Fim.

Estão todos convidados para a festa de 3 anos do Projeto Luxúria!

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