Frrrkcon 000.2 – A modificação e artes do corpo em voga.

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No sábado do dia 17 de Outubro de 2009 aconteceu em São Paulo a segunda edição da Frrrkcon. Os organizadores do evento, Luciano Iritsu e T. Angel, seguiram os mesmos princípios motivacionais que deram origem ao evento no ano passado, ou seja, promover e criar uma reflexão acerca da modificação corporal no Brasil.

Por ser um evento explicitamente novo, o modelo de construção do mesmo sofreu algumas alterações e sem dúvida alguma sofrerá tantas outras até chegar naquilo que podemos chamar de “cenário ideal”.

Assim como na primeira edição, a Frrrkcon 000.2 se manteve totalmente independente, o que em outras palavras quer dizer que não contou com o apoio de nenhum patrocinador, além dos próprios organizadores. Todavia, há um fator digno de pontuação e exaltação e, é que apesar do evento não ter colaboração financeira de empresas, estúdios ou equivalentes como mencionamos a pouco, quase 100% de todas as pessoas envolvidas com o evento, se dispuseram e se doaram pela causa. Longe de querer soar piegas ou romantizar em demasia a situação, não poderíamos deixar de demonstrar o quanto nos emociona ver que ainda existem pessoas que acreditam em uma causa, em um ideal e que fazem aquilo que fazem por amor e não por ego. Pois bem, graças à esses profissionais, artistas, dj’s, músicos que se doaram no sentido mais legitimo da palavra, temos hoje um dos mais importantes eventos de modificação corporal que já se ouviu falar no Brasil.

Assim como estava demarcado na programação o evento era bipartido, com atrações para todos os gostos e bolsos. A primeira parte da Frrrkcon 000.2 aconteceu no Iritsu Tattoo Shop, com uma série de palestras e debates. A chuva torrencial que lavava toda a sujeira e poluição de São Paulo conseguiu atrasar o início das palestras, mas de forma alguma impactou na qualidade e importância do que acontecia ali naquela sala, que aos poucos foi ficando pequena.

A antropóloga carioca, Claudia Machado, abria o evento com sua palestra “Perspectivas antropológicas do corpo e da body modification”. Ela contou para os que ali estavam presentes um pouco de sua experiência no campo da pesquisa acadêmica, levantou pontos bastante significantes sobre conceitos da body art e body mod e inclusive do papel da mídia na construção de um pensamento do corpo transmudado.

O segundo palestrante do dia foi com o body piercer e vice presidente do SETAP. Ele abordou brevemente o histórico dos adornos corporais e focou bastante o seu texto nas questões acerca da regulamentação das profissões de body piercer e tatuador. Além disso, explanou de forma bastante elucidativa algumas questões da infectologia, métodos de trabalho, riscos e cuidados, assuntos esses que interessam não só os profissionais da área, mas grosso modo, todos aqueles que manipulam seus corpos.

Para fechar a série de palestras, a sala que naquele momento já se encontrava lotada, recebeu os profissionais André Fernandes, o argentino Rata e o chileno Fingaz para um bate-papo sobre suas respectivas carreiras, experiências e conhecimentos. O português que se misturava com o espanhol soava como um único idioma e todos puderam captar a mensagem ali passada, sem grandes dificuldades. O bom humor não se perdia nem mesmo quando os ânimos esquentavam durante os debates. Ali haviam corpos modificados pensando em grupo sobre seus processos, seus territórios, seus limites e suas falhas e estendendo tais reflexões para o cotidiano. As palestras foram encerradas e a chuva também havia dado uma trégua. Era hora de sair da sala, esticar as pernas e ganhar as ruas. A mostra de performance em espaço público e automaticamente aberta gratuitamente para todos que quisessem ver, convidou a todos para fora. Por conta da chuva alguns trabalhos que seriam performados externamente não puderam ser executados, para lamentação dos artistas e do público. O primeiro trabalho foi apresentado pelo performer Bruno Sipavicius e se chamava “Ode à Dionísio”. Entre cantos, danças e tintas o artista ritualizava ao seu deus, Dionísio. A praça que foi palco para as performances se tornou um verdadeiro Olimpo e logo recebeu o trabalho do performer T. Angel intitulado “Narcissus”. O artista buscava questionar através desse trabalho o conceito do belo imposto secularmente pelo cristianismo, assim como, a imposição estética da sociedade contemporânea que fragmenta o humano em tantos outros “eus” que esse se aliena de si próprio. A performance contou com a colaboração do body modifier Dark Freak que despejava lanças sobre o corpo do performer, que apaixonado pelo seu reflexo, estava submerso em seu espelho em pedaços.

Já era noite e apesar do cansaço de um dia repleto de novas sensações e informações, todos ansiavam por mais. Logo um outro carioca entra em cena para preencher a primeira parte do evento, dessa vez o baixista da banda Medulla, Rodrigo Silva. O músico, começa a fazer um trabalho nas paredes do Iritsu Tattoo Shop, utilizando uma técnica nova que consiste em criar figuras utilizando fitas adesivas. Figuras abstratas vão surgindo entre o público ali presente. Logo chega a hora da última performance da noite. Sala novamente cheia, olhares famintos e ansiosos e aos poucos a presença sonora da artista Milze se faz presente e tão logo sua imagem preenche a sala. A artista começa a execução do seu trabalho chamado “Bem servido”, um verdadeiro banquete de novos sabores. A performer escolhia algumas pessoas da platéia e as convidavam para uma degustação. Inicialmente eram 6 embrulhos colocados estrategicamente sobre seus braços através de correntes e mini ganchos, o escolhido tinha que arrancar o “sabor” surpresa de sua preferência. Todos estavam inteiramente fascinados pelo trabalho e participando direta ou indiretamente dele. Depois que os 6 itens foram comidos pelos participantes, eis que surge a questão: e agora?

A cara maquiavélica da artista deixava no ar que havia mais surpresa pela frente. E assim se fez, Milze – diga-se de passagem, muito sensualmente – convida mais uma “vítima” e esse por sua vez é deitado no chão. A artista retira a saia e deixa transparecer por sua calcinha de renda que havia mais uma degustação presa em seu piercing genital. Sádica e infanta, ela havia guardado muito bem o prato principal para seu último convidado, uma pimenta vermelha!

A artista deixa a cena ovacionada por aplausos e sorrisos múltiplos. A primeira parte da Frrrkcon 000.2 havia chegado ao fim e todos se mostravam satisfeitos pelo dia tão distante de ser rotineiro e tão cheio de reflexões sobre a modificação corporal e body art.

Um intervalo de algumas horas e a segunda parte da Frrrkcon aconteceria no Inferno Club, localizado na Rua Augusta. Um atraso de aproximadamente 30 minutos para abertura da casa foi suficiente para que se formasse uma longa fila de convidados na porta.

Mesmo antes da casa encher os Djs Roger Arruda e Gabriel Chiarastelli já começaram a dominar o som do ambiente com o velho e bom Rock ‘n’ Roll e as suspensões corporais começaram a acontecer. A primeira suspensão da noite foi também a primeira experiência do bartender Bruno Lorencini, 24 anos, que teve todos os seus receios desmanchados com o apoio e suporte dado pela equipe de profissionais da suspensão.

A exposição de arte dos tatuadores preenchiam toda uma parede e a multiplicidade de estilos, a criatividade e principalmente o conjunto, encantavam e roubavam diversos elogios pelos que ali passavam. Em frente a exposição, 4 tatuadores pintavam ao vivo suas respectivas telas, olhares curiosos acompanhavam e se prendiam a cada pincelada dos artistas, entre eles, Renata Giannoni, Shimizu, Brian e Anselmo.

Aos poucos a casa estava inteiramente cheia e não parava de chegar gente. O evento ganhou ares de um grande encontro de amigos e uma celebração da arte em suas múltiplas linguagens. As suspensões continuavam acontecendo em conjunto com todo o resto que acontecia simultaneamente. Eis que um incidente ocorre e visto a seriedade do ocorrido merece ser pontuado aqui. Minutos depois de Vinicius Reis ser suspenso e começar a se divertir em seu “vôo”, vê a sua suspensão ser acidentalmente interrompida por sua queda, que muito felizmente não o machucou. Automaticamente surge uma série de perguntas, dentre as quais, o que realmente aconteceu? Obviamente que uma situação desse tipo causa diversos desconfortos, dos profissionais que se defrontam com uma falha no meio de um evento, do próprio Vinicius que nos disse posteriormente que ficou chateado apenas por querer ter ficado mais tempo no ar, pois a experiência estava sendo ótima. Inclusive quando o questionamos se havia ficado algum trauma, ele nos responde que não e que inclusive pretende realizar novas suspensões. Luciano Iritsu nos explicou o que aconteceu em relação à falha. Primeiramente ele nos pontuou que se dispor a fazer algo é se sujeitar à falhar. Não foi nem a primeira queda e tão pouco será a última da história da suspensão corporal moderna, mas com toda certeza é uma lição que todos podem utilizar, para se preparem mais, para que tenham mais conhecimento e para que as falhas sejam cada vez mais distantes do universo da suspensão.

Ainda segundo Iritsu, foi utilizado para a suspensão um material próprio do rapel, que suporta até 14 toneladas, todavia, com os movimentos das outras suspensões o material não suportou tanto atrito e cedeu ocasionando então o incidente na suspensão de Vinicius.

Os profissionais logo fizeram a substituição do material e passado o susto, todas as outras suspensões aconteceram normalmente, carregadas de emoção e espetáculos visuais.

Um dos momentos mais aguardados da noite era o novo número de freak show do artista Freak Garcia. Ainda que o mesmo tenha optado em manter o mesmo nome para o seu número, 100Cortes, o espetáculo apresentado durante a Frrrkcon 000.2 foi inteiro novo. A boneca princesa possuída pelo Coringa e todos os espíritos maléficos, investiu em fogo, agulhas, ganchos, pregos, vidros, facas e materiais dos mais diversos possíveis. Com uma trilha sonora bastante apurada e uma produção sempre muito bem elaborada o freak show arrancou muitos suspiros e gemidos da platéia. Não comentei antes, mas cabe muito bem aqui, na entrada os convidados recebiam um saquinho para vômito com a logo do evento, será que alguém utilizou durante o freak show?

O Inferno Club aos poucos vai ficando vazio novamente, o fim estava próximo. O último show da noite ficou a cargo da banda paulista de música eletrônica Diva Muffin. Os integrantes Henrique Pucci, Davi Roque e P. Droee Evil aqueciam suas parafernálias instrumentais e eletrônicas enquanto o quarto integrante da banda, T. Angel, se aproximava. Abrindo o show com a música “The World Fails Down” a banda prometia fechar o evento com chave de ouro.

T. Angel, responsável pelo vocal de algumas músicas e performances, é seguido por olhares curiosos. Durante a música “Canibalismo” ele se dirige a frente da banda e retira um longo sobretudo azul. Por baixo do sobretudo o performer vestia uma roupa construída em seu próprio corpo com papel branco e plástico e nos pés, um belo salto alto preto. Aos poucos são convidadas algumas pessoas ao palco que interagem na performance comendo simbolicamente o corpo do artista. O fechamento do show foi com a música Dokoisho e com a suspensão de T. Angel de salto alto. Tamanha a frenesi e intensidade dos movimentos aéreos que um dos ganchos entortou consideravelmente, o que não atrapalhou em nada a performance.

Passada às 7 da manhã a Frrrkcon 000.2 chegava ao seu fim, era hora de deixarmos o Inferno. Nessa edição passaram pelo evento um número aproximado de 600 pessoas do mundo inteiro. Em nenhum outro momento se teve um evento para suspensão corporal, body mod e body art no Brasil com tais proporções. Segundo a organização a intenção é aprimorar, evoluir e ter um evento cada vez melhor. Nós estaremos lá para conferir e compartilhar com todos vocês, até a próxima!

Fotos: Alexandre Anami

Fotos: Giuliana Ramaglia

Fotos: Gui Almeida

Fotos: Pedro Spagnol

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