Conversamos com a historiadora e professora Juliana Aparecida afim de conhecer mais o projeto Metaleiras Negras e, com isso, discutir questões sobre gênero, raça e o rock ‘n’ roll. Puxe uma cadeira, sente-se e boa leitura.
FRRRKguys: Quando e como começou o projeto Metaleiras Negras?
Juliana Aparecida: O projeto Metaleiras Negras começou em Julho de 2015 a partir de um questionamento que tive com uma amiga sobre os negros no rock. Conheci a Andreza Oliveira no último ano do Ensino Médio e tínhamos o rock como gosto em comum. Nos formamos, seguimos caminhos diferentes, mas em 2015 começamos a discutir sobre a presença negra no rock, principalmente onde estavam as mulheres negras neste gênero musical tão incrível.
FRRRKguys: Quem criou e coordena o projeto?
Juliana Aparecida: Depois de discutir sobre os negros do rock e perceber que não eram muitos, principalmente as mulheres negras, resolvemos criar a página e o canal no Youtube. A ideia inicial era resgatar as mulheres negras no metal, mas também em outros estilos dentro do rock, além de dicas de maquiagem para pele negra e penteados para cabelos crespos e cacheados.
FRRRKguys: Quais artistas influenciaram ou influenciam o projeto?
Juliana Aparecida: A maior referência negra conhecida que temos é o guitarrista Jimi Hendrix, mas para criar a página fomos em busca de outros músicos e bandas negras, foi onde encontramos a Hanna Paulino, uma metaleira negra do Amapá e Sister Rosetta Tharpe, que é considerada a criadora do rock. Depois, conheci inúmeras bandas, como o trio mineiro Black Pantera e as bandas Audiozumb de Franco da Rocha e O Mandruvá de Caieiras.
FRRRKguys: Em que formato o Metaleiras Negras está disponível hoje?
Juliana Aparecida: Atualmente, existe a página e o grupo no Facebook, o perfil no Instagram, o canal no Youtube e o blog.
FRRRKguys: Em 2017 o Metaleiras Negras deixa de ser uma dupla. O que mais mudou desde então?
Juliana Aparecida: Passei a produzir vídeos sobre minhas referências femininas, sobre o racismo tão presente no rock e temas diversos como a estreia do filme Pantera Negra e a importância da representatividade negra em um espaço como a Galeria do Rock. Também passei a divulgar bandas nacionais, além de ter uma visão mais geral, passando a divulgar bandas com meninas e meninos também, pois vejo a importância de se pensar enquanto povo negro.
FRRRKguys: Como tem sido discutir e difundir artistas negras?
Juliana Aparecida: Tem sido incrível, visto que conheci pessoas incríveis nos demais Estados e em Angola também. É gratificante perceber que muitas pessoas perceberam que não estão sozinhas neste gênero musical tão racista quanto o rock, além de realizar o resgate histórico tão importante na nossa área de trabalho.
FRRRKguys: Como você enxerga a questão de gênero dentro do rock?
Juliana Aparecida: Existem muitas mulheres no rock, mas infelizmente ainda não possuem o mesmo reconhecimento que os homens, quando se trata de mulher negra o cenário fica pior, pois até existem mulheres negras, mas esse conjunto de opressões faz com que a visibilidade seja menor ainda.
FRRRKguys: Sabemos que o racismo – que é estrutural – atravessa e afeta todas as áreas da vida humana. Como é essa questão dentro da música, mas especificamente no recorte que vocês trabalham?
Juliana Aparecida: O racismo no rock ocorre de várias maneiras, desde o apagamento de sua origem negra, até o desrespeito com as pessoas que curtem o som em shows ou em grupos específicos de heavy metal. Lembro de uma vez que um rapaz negro compartilhou uma foto em um grupo de uma determinada rede social e colocou a legenda dizendo que era gótico. Este rapaz recebeu tantas críticas, além de dizerem que ele tinha cara de pagodeiro e funkeiro, menos de gótico. Sabemos que isso não ocorreria se este rapaz fosse branco e com o cabelo liso. Sem contar relatos de pessoas negras que vão para os shows e algumas pessoas brancas dizem que eles deveriam estar em eventos de pagode ou qualquer outro gênero considerado negro. O apagamento do rock foi tão bem feito que pessoas negras são consideradas estranhas por gostarem desse tipo de música.
FRRRKguys: O Metaleiras Negras trabalha justamente para resgatar a origem negra do rock. O que você poderia nos contar sobre as especificidades dessa história?Juliana Aparecida: Tudo que começou negro foi embranquecido fazendo com que haja um estranhamento quando pessoas negras resolvem realizar o resgate histórico. Até hoje existe muita resistência sobre a origem negra do Egito, por exemplo, e isso não seria diferente com o rock, uma criação da diáspora africana nas Américas. Com as redes sociais, essa troca de informação se tornou mais fácil e a divulgação de negros fazendo o bom e velho rock também.
FRRRKguys: O projeto tem promovido encontros fomentando a negritude e o rock. Qual a importância desses encontros em nossa atual conjuntura?
Juliana Aparecida: A página completou 3 anos em Julho e consequentemente foram realizados 3 encontros em São Paulo, sendo os dois últimos na Galeria do Rock. É fortalecedor encontrar outros negros do rock em um lugar que quase não encontramos os nossos, além de ser uma forma de marcar presença e mostrar que os negros estão se organizando das mais variadas forma e inclusive no rock, numa tentativa de reivindicar a origem e espaço que nos é negado.
FRRRKguys: Quais os principais desafios que temos quando pensamos o Brasil de hoje e questões como o racismo e sexismo machista?
Juliana Aparecida: Conforme presenciamos pequenos avanços nas lutas contra o racismo e o machismo, percebemos que o conservadorismo vai se mostrando de uma forma mais cruel e violenta. A união é mais do que necessária, ela determinará a nossa sobrevivência em um território tão hostil como o Brasil, país que extermina indígenas e africanos desde sempre. Precisamos nos aquilombar para resistir a toda violência que nos fere cotidianamente e conseguir ocupar todos os espaços possíveis, só assim veremos mudanças reais e um mundo melhor para todos os povos que aqui vivem.
FRRRKguys: Deixe para as pessoas que nos leem uma indicação de cinco artistas negras do rock.
Juliana Aparecida: A primeira indicação é Sister Rosetta Tharpe, criadora do rock que considero a matriarca do gênero. A segunda indicação é Militia Vox, considerada a rainha do movimento Afropunk nos Estados Unidos. A terceira indicação é Hanna Paulino, uma metaleira negra do Amapá e que movimenta a cena por lá. A quarta indicação é Irina Vasconcelos, ela foi vocalista da banda angolana Café Negro, que infelizmente não existe mais, mas que produziu um material maravilhoso. Também gostaria de indicar duas bandas com garotos na formação: a banda Black Pantera, um trio mineiro que faz um som incrível e que tem um nome muito representativo para a questão racial; além da banda punk Death, que tive a honra de assistir um show deles em São Paulo em 2016 e que foi um divisor de águas na minha vida no rock.
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