Foto: Tamiris Marques
Edição: Nina Falci
Embora estejamos vivendo em um momento de fortalecimento do conservadorismo, movimentos reacionários e retrocessos, temos pessoas progressistas engajadas ferozmente para que as conquistas que tivemos ao longo da história não sejam perdidas e que consigamos avançar enquanto sociedade. Dentro da comunidade da modificação corporal temos tudo isso acontecendo também (tanto a parte reacionária quanto a progressista). Trataremos daqui em diante das pessoas progressistas.
Em 2018 a Infinite Body Piercing nos EUA declarou que estava mudando a organização dos piercings genitais para atender as demandas das variadas identidades de gênero. No Brasil, começamos a ouvir relatos de profissionais que também já estavam se adaptando. Fosse em como o serviço era oferecido ou como estava sendo apresentado em portfólios.
Aqui chegamos no ponto que gostaríamos, que é convidar vocês profissionais do body piercing – e outras técnicas de modificações corporais – para repensarem a questão das nomenclaturas e linguagem para atender as demandas que temos da diversidade de gênero, gênero não-conformante e pessoas intersexuais. É um convite, é uma sugestão e um apontamento.
Em vez de…
Por muito tempo se utilizou na indústria do body piercing apenas a organização piercing genital masculino (para se falar de perfurações no pênis e escrotal) e piercing genital feminino (para se falar de perfurações na vulva). Talvez lá nos anos 90 fizesse algum sentido, mas hoje não serve mais e explicaremos o porquê abaixo.
Importante frisar que vulva compreende toda a região externa da genitália (a parte visível) de algumas pessoas, e a vagina é o canal interno, que vai até o colo uterino. Uma importante discussão sobre o uso da palavra vulva está no texto Por que tantas mulheres odeiam suas bucetas? publicado por Helena Bertho no Azmina em 2018. Inclusive, agradecemos enormemente as contribuições e reflexões todas que recebemos sobre a questão da vagina e vulva.
Genital não define o gênero!
É muito importante ter a consciência de que genitais não definem o gênero de uma pessoa. O que queremos dizer é que existem homens com vulva, mulheres com pênis e, ainda, pessoas intersexuais, pessoas não-binárias e de gêneros não-conformantes. Se operarmos com a lógica binária de gênero, estaremos automaticamente excluindo a ideia de que essas pessoas existem. E elas existem!
Pode ser que o seu cliente queira um vertical clithood piercing ou que a sua cliente deseje um ampallang. Pode ser também que você receba como cliente uma pessoa não-binária que deseje um piercing em seu genital, seja ele qual for. E é muito importante – muito mesmo – que essa pessoa se sinta confortável, segura e que tenha a sua identidade de gênero respeitada, começando pelo entendimento – e aqui seremos repetitivas – de que genital não define o gênero.
Quando você fecha o seu trabalho na lógica binária de gênero, ou seja, piercing genital masculino (pênis/escroto) e piercing genital feminino (vulva) você está excluindo uma multidão de pessoas que historicamente tem sido excluída. Então, nós do FRRRKguys fazemos a sugestão, e você faz a escolha se quer deixar o seu trabalho mais inclusivo e acessível ou não. Para você cisgênero pode ser apenas uma questão de escolha de nomenclaturas e linguagem, para as pessoas trans*, travestis, gênero não-conformantes e intersexuais é uma questão básica e fundamental da dignidade humana. A escolha é sua!
Pensando fora da caixa
No Brasil estamos vivendo um momento crítico de retrocessos. Somos um povo que não sabe falar sobre sexualidade e que busca criminalizar as discussões sobre diversidade de gênero. Mentiras perversas como as da “mamadeira de piroca”, “kit gay” e “ideologia de gênero” são exemplos do quanto existem forças obscuras trabalhando fortemente para a alienação, estupidez, insensatez e, ao mesmo tempo, extermínio daquelas, daquelus e daqueles que são considerados anormais, abjetos e doentes.
Nós da comunidade da modificação corporal precisamos prestar muita atenção nesses discursos e nadar contra essa corrente de ódio e necropolítica. Nesse sentido, pequenas ações se tornam gigantescas.
Pense fora da caixa.