Uma mensagem para a menina que não conheço…

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cyberbullying

Ontem antes de dormir um amigo me mandou o link de uma publicação – a qual compartilharei agora – dizendo que esta havia o revoltado. Eu cliquei e no primeiro olhar entendi o motivo da revolta. Eu me senti enojado, não só pela publicação, mas pelos comentários. Sei que não devemos ler (ou não dar muita atenção para) os comentários, mas dessa vez foi preciso.

O link era da fanpage Jesus Manero, página que fez a publicação de uma imagem de uma menina com modificações corporais seguido do texto “mãe não se preocupe eu nunca vou precisar trabalhar” (sic). Os comentários em sua grande maioria ofensivos, oscilavam entre “que nojo”, “filha da puta” e alguns inclusive sugerindo algum tipo de violência física, como se fosse preciso mais violência do que aquela que se colocava ali. No mesmo momento lembrei do texto “A história do ódio no Brasil”, foi imediato.

“Ninguém para 5 segundos para pensar no que fala ou no que comenta na internet. Grita-se muito alto e depois volta-se para a sala para comer o jantar. Pede-se para matar o menor infrator e depois gargalha-se com o humorístico da televisão. Não gostamos de refletir, não gostamos de lembrar em quem votamos na última eleição e não gostamos de procurar a saída que vai demorar mais tempo, mas será mais eficiente.”
Fred Di Giacomo

Sobre os inúmeros comentários pejorativos de se trabalhar na Chilli Beans, gostaria de tecer algumas linhas. Primeiro, trabalhar não deveria ser sinônimo de vergonha para ninguém e não importa se é na Chilli Beans, de lixeiro, de doméstica ou seja lá do que for. Tenho a feliz oportunidade de conhecer um pai de família que consegue o seu sustento (e de sua família) através da Chilli Beans. Ele além de ser um ótimo profissional é um excelente pai. Tenho a feliz oportunidade de ter uma mãe costureira e de ter tido um pai que trabalhou por bastante tempo como pedreiro. Inclusive a casa que moro hoje, foi ele quem fez. Tenho a feliz oportunidade de carregar na minha história de vida que comecei a trabalhar com 15 anos como office boy e depois trabalhei como operador de telemarketing, vendedor e agora como professor.

jesusmanero2

Em um país como o nosso que a desigualdade social é tamanha, já deveríamos ter aprendido isso. A gente já deveria ter aprendido que essa coisa de tentar diminuir alguém por conta de sua profissão é algo de uma pequenitude incomensurável e inaceitável. Temos o hábito de nos envergonhar pelo motivo errado. O caso em questão é um ótimo exemplo. Eu tenho vergonha de ler a verborragia que li, tenho vergonha de morar em um país com gente que pensa como vocês demonstram pensar, eu tenho vergonha dessa violência gratuita camuflada de humor, eu tenho muita vergonha de gente como vocês.

Alguns dizem que se trata “apenas” de uma página de humor. Talvez seja para quem está acostumado com a pobreza humorística de programas como Zorra Total, Pânico ou de “humoristas” como Rafinha Bastos ou Danilo Gentili. Assustadoramente é o tipo de “piada” que o povo brasileiro gosta, a exemplo, a página Jesus Manero tem no momento 485 mil seguidores, só eu tenho 184 amigos de rede que curtem e a seguem. Tenho certeza que para menina não há muito do que rir. Não dá para ser violentada publicamente por um bando de corvos vis (que me perdoem os corvos) e achar graça. Eu no lugar dela não conseguiria, não consegui ver humor, só dor. Ainda sobre essa coisa do humor, recordei-me do documentário “O riso dos outros”.

 

É bem verdade que eu não conheço a menina da foto, não sei absolutamente nada sobre ela, nada sobre a vida dela, ainda assim, me coloquei em seu lugar e imaginei o quanto essa “brincadeira” era cruel, leviana e perigosa. Será que foi levado em consideração a quantidade de pessoas que se suicidam mundo afora por conta de “brincadeiras” assim? Creio que não.

Sei que há de haver aqueles que dirão que “ela pediu”, uma vez que alterou o seu próprio corpo. É o mesmo tipo de pensamento infeliz que perpetua o “mulher de roupa curta pede para ser estuprada” ou “o gay dava pinta demais, pediu para apanhar”. Para vocês eu digo que tomem mais cuidado ao transformar a vítima em culpada e principalmente ao tentar justificar a sua violência (ou aquela que você endossa e reproduz) com textos do tipo. O ideal é que não se produza violências similares, justificar depois não resolve muita coisa.

Senti no meu coração que eu deveria escrever para essa menina, por isso redigi essas linhas, apenas para dizer de alguma forma (ainda que ela não leia) que apesar das pessoas (principalmente as que acham esse tipo de postagem engraçada) estarem sendo bastante cruéis e covardes, havia gente boa pelo mundo. Torço para que você, menina, encontre muita gente do bem em sua estrada e que elas possam te dar amor e suporte, inclusive nesse caso infeliz. Espero também que você consiga um bom trabalho, que estude, que tenha uma vida feliz. Caso algum dia você se arrependa de alguma coisa que fez na sua vida, seja de alguma modificação corporal ou de um livro que não leu, não se sinta sozinha. A maioria das pessoas se arrependem de uma ou de outra coisa durante a vida. O importante é que a gente viva e seja feliz.

Que a vida seja mais generosa com você, do que essas pessoas se mostraram ser.

Um grande beijo para você. Com carinho,

T.

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Texto publicado originalmente no http://xtangelx.wordpress.com/2014/03/20/uma-mensagem-para-a-menina-que-nao-conheco/

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8 thoughts on “Uma mensagem para a menina que não conheço…”

  1. essa menina é a marjorie aleister e tem 16 anos de idade.
    ótimo site e ótima matéria, você tem uma ótima visão sobre modificação corporal.
    a mídia, principalmente a record (eca!) tem se aproveitado bem de jovens modificados para alavancar audiência – semana passada levaram aquele maycoln tarasevic e parecia uma versão contemporânea da exibição do homem elefante.
    fiquem atentos!
    Abraços a todos!

  2. Belo texto, ótima observação com relação ao cyberbullying, só que se vc visitar o perfil desta menina diariamente vc vai notar que ela também faz algumas postagens ofensivas com algumas pessoas, e quando recebe comentários com opiniões que não estão de acordo com seus pensamentos, ela retira o post. Acredito que ninguém deva julgar alguém pela aparência, mas se pagar de vítima não cola né? Eu já li várias postagens dela ofendendo pessoas, isso não é legal de forma nenhuma. Creio que a modificação corporal seja algo pra quem goste mesmo e não somente para ter seguidores adolescentes em páginas das redes sociais. Divulgar um trabalho, um estilo, uma maneira de vida tudo bem, agora se aproveitar disso e achar que todos devem respeito sem respeitar as pessoas já é um erro.
    Isso é só minha opinião, não sou contra nenhum tipo de arte ou modificação, inclusive adoro** porém não gosto de inverdades.

  3. Já tive cabelo roxo, azul e colorido. Graças a Deus essa visão de que não consegue trabalho “bom” (pq concordo que qualquer trabalho é bom) está mudando. Trabalhei em empresa que ditou como devia me vestir e agir, e tinha que esconder a tatuagem ou mudar o meu jeito de ser. Mas também trabalhei em empresas grandes que não davam a mínima pro meu jeito de ser desde que meu trabalho fosse bom, desde que meu desempenho não deixasse a desejar, e eu cresci na empresa, mesmo sendo “diferente”. Mas ainda sofria muito preconceito na rua. Pessoas passavam por mim, riam do meu cabelo, fazia cara de espanto ou nojo. Sem saber o quanto eu me empenho no meu trabalho, o quanto eu sou religiosa no meu jeito de ser, ou o quanto bondosa e generosa eu posso ser.
    Me perguntavam na rua que tipo de Rock eu escutava, sem ao menos pensar que eu tocava piano clássico. Preconceito no sentido puro da palavra.
    A humanidade tem muito o que aprender, graças a Deus já estamos mudando, mas falta muito.

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