Foto: reprodução / Blackdot
No filme Tropas Estelares (EUA, 1997) temos a clássica cena em que um grupo de jovens, que servem as forças armadas, fazem uma tatuagem coletiva no espaço, intermediada por uma máquina e laser. Em seus braços vemos um desenho e a palavra death (morte).
Saindo da ficção científica, a recente matéria Meet the robot using AI to ink your next tattoo publicada pelo The Wall Street Journal, assinada por Belle Lin, apresenta um dispositivo de tatuagem pioneiro desenvolvido pela startup estadunidense Blackdot e questiona: clientes virão?
Uma loja de luxo – como não poderia deixar de ser, não é mesmo? – já tem o dispositivo, que fará em breve a primeira tatuagem em uma pessoa cliente pagante. Até o momento foi divulgado que 30 tatuagens foram realizadas em pessoas voluntárias.
A Blackdot aponta a precisão do dispositivo, assim como a previsibilidade e a diminuição da dor. As pesquisas em torno do desenvolvimento do “robô tatuador” estão acontecendo desde 2019, ela necessita de uma pessoa operadora do maquinário.
Segundo o The Wall Street Journal, “assim que o operador humano necessário inicia o processo, o braço do dispositivo escaneia a pele e estende sua agulha de três pontas para iniciar a tatuagem”. E assim temos o novo método de se tatuar ou marcar a pele… Ou que nome podemos dar para isso?
A evolução da tecnologia tem colaborado fortemente para indústria da tatuagem. Embora seja sabido – todavia, pouco discutido abertamente – a crise severa que o segmento vem passando. Ou seja, não se trata da negação da tecnologia ou, tão pouco, de um não reconhecimento de seus benefícios no campo das agulhas, máquinas e tintas. Estamos aqui diante de uma outra coisa…
O capitalismo assimilou fortemente a cultura da tatuagem. Enquanto sintoma mórbido temos a higienização da cultura de marcar a pele de modo indelével (que nem é tão mais indelével assim). Pelo que é possível acessar na matéria e pelas falas das pessoas responsáveis pelo dispositivo, a intenção é assimilar e higienizar ainda mais. No fundo eles não gostam muito da cultura da tatuagem – com seus estúdios que são espaços de construções de saberes e afetos – eles gostam das clínicas demasiadamente assépticas, geladas e brancas. Sem ruído.
Um fulano que foi tatuado pelo dispositivo disse para o The Wall Street Journal que “você chega ao consultório e não se parece em nada com um estúdio de tatuagem tradicional, o que, para mim, é muito melhor (…) tenho certeza de que tem gente por aí que prefere música alta, muita gente e tudo mais, mas você entra e é extremamente limpo”. Não sei em quais locais de se tatuar que ele tem frequentado, mas enfim… A intenção está toda explícita na fala.
Joel Pennington, fundador e diretor executivo da Blackdot, afirmou que os “seus objetivos reais incluem criar uma nova categoria de tatuagem de precisão, proporcionando uma experiência que pode ser útil para pessoas que não gostam da atmosfera rude de alguns estúdios de tatuagem”. Pois é, rude…
Temos um sentimento inquieto em ver a cultura da modificação corporal, especificamente a da tatuagem, com uma história milenar e riquíssima, sendo transformada e moldada – em fineline – para atender os interesses da burguesia mais cafona e careta ao redor do mundo. A nossa crise é política, mas também é estética.
REFERÊNCIA
Meet the Robot Using AI to Ink Your Next Tattoo
https://www.wsj.com/articles/meet-the-robot-using-ai-to-ink-your-next-tattoo-8e0887da