“Por que escrevo?
Porque eu tenho de
Porque minha voz,
em todos os dialetos,
tem sido calada por muito tempo”
Jacob Sam-La Rose
Dezoito anos! Dezoito bonitos anos! Dezoito esquisitos anos!
Tudo começou em 21 de Junho de 2006 na extinta conta /frrrk do Fotolog. Tudo se iniciou aqui na periferia de Osasco, grande São Paulo, onde seguimos escrevendo para o mundo por todo esse tempo. A internet era bem ruim, os equipamentos precários, mas o desejo de cuidar e falar sobre a nossa cultura do corpo modificado era gigante. Nunca pensamos que fôssemos caminhar tanto.
Todo ano escrevo algumas linhas sobre o aniversário do FRRRKguys – FG. É um ritual: leio o que foi dito anteriormente e escrevo algo novo para celebrar a passagem de ciclo. Agora aos dezoito não quis ler os textos anteriores, quis partir do zero e das sensações e emoções que fossem me tomando conforme os meus dedos dançavam e se chocavam coreograficamente ao teclado preto e de luz azul. Deixe vir. Deixe ir. Ao coração.
Antes de qualquer coisa, não posso deixar de mencionar a confusão de sentimentos que é ver “a cria” completar dezoito outonos no mesmo ano em que o Grupo de Estudos Sobre Modificações Corporais – GESMC completa dez, em que se completa dez anos do encantamento do Enzo Sato (1987-2014), em que se completa vinte anos do encantamento do Felipe Klein (1983-2004). No ano em que defendo a minha dissertação de mestrado. Como você deve imaginar, nada disso foi planejado. Coincidências? Mistérios? Destino? Vida. Fluxo.
Eu tinha 24 anos de idade quando iniciei o trabalho com o FG, hoje tenho 42. As nossas histórias estão embaralhadas de modo indissociável. Tanto que escrevo aqui em primeira e terceira pessoa, pois está tudo borrado. Tudo.
O trabalho que realizei durante esses anos todos me fez crescer demais intelectual, política e espiritualmente. Nas encruzilhadas da caminhada, fui encontrando pessoas e monstruosidades que tornaram os dias mais felizes e doces, me fizeram olhar para mim mesma e para o universo com outros olhos famintos (por conhecimento). Fui encontrando figuras, que como algum tipo especial de poção mágica, não me deixavam esquecer da importância do trabalho que acontecia aqui nesse espaço. Por menor que fosse. É preciso e é igualmente precioso quem não nos deixa esquecer o propósito e, acredito fortemente, que foi só por isso que não desisti do que tinha para fazer aqui.
A desistência com o trabalho acompanhou todos os dias da nossa caminhada de dezoito anos. Desistir pela falta de apoio e reconhecimento. Desistir pela falta de dinheiro para manter um site de pé. Desistir pela falta de tempo. Desistir pelas censuras sofridas em redes sociais hegemônicas. Desistir pelo fogo amigo. Desistir ao perceber a forte simpatia da comunidade da modificação corporal com o fascismo e autoritarismo. Virou-se a chave.
A desistência foi se materializando. Desisti de atender os interesses hegemônicos e ligados com o capitalismo sobre o que é o sucesso. Fui reconhecendo a importância do fracasso para continuidade da caminhada com o FG. Entendi, em tempo, que o trabalho sempre foi sobre ser dissidência (e desistência) e que ele se realizaria por meio da micropolítica, nesse sentido, o nosso alcance é curto, os números são pequenos e, ainda assim, movimentamos legiões esquisitas no tempo e espaço. Devagarzinho, aprendi a reconhecer e valorizar a relevância do trabalho feito no FG. Que está feito, que não se apaga mais. Está marcado em mim e na minha história. Está marcado em você e na sua história? Ecoe. Evoé.
A falta de dinheiro e de tempo limita a nossa produção, certamente que sim, mas decidi que esses fatores não seriam o que nos daria um fim. A censura que sofremos desde 2006 nas redes sociais hegemônicas virou anedota de uma sociedade adoecida e alienada do corpo e que, sem dúvida alguma, acendeu também os debates das Big Techs e os seus interesses escusos. Não encerraríamos por conta disso, ao contrário, incendiaríamos mais por tudo isso.
O fogo amigo dói mais, mas ensinou mais também. Ajudou na construção da nossa casca grossa e a entender que na realidade o fogo amigo nem era tão amigo assim. Nunca foi. Não podemos nutrir amizade por quem nos deseja silenciada, cerceada ou controlada.
Por fim, a simpatia da comunidade da modificação corporal com o fascismo e autoritarismo que tanto nos entristeceu, adoeceu e que nos fez querer desistir, obteve êxito, desistimos. Desistimos da ideia fantasiosa que criamos com ingenuidade de que a comunidade da modificação corporal era um espaço desconstruído, acolhedor e seguro para todas, todos e todes. Nunca foi, convenhamos, nunca foi. Da desistência com a fantasia e ilusão, entendemos a importância da resistência e de nos organizarmos politicamente na comunidade freak. É aqui onde estamos agora. Manifesto Freak. É um chamado. É um devir-monstro. É um porvir esquisito.
Percebe como nunca poderíamos ter números grandes, dinheiro circulando para nos manter, grandes apoiadores? Ah! Bendito seja o nosso fracasso, pois diante de uma sociedade histórica e violentamente cruel e injusta estamos na contramão e buscando instaurar outros contextos e resenhas. Saudando e celebrando a nossa insignificância e pequenitude por dezoito anos. Sem nos vender ou ceder.
Já existimos por mais tempo do que poderíamos imaginar. Sabemos que não teremos tanto tempo mais quanto já tivemos. Nada disso nos assusta ou entristece. Bendita seja a impermanência de todas as coisas. E como disse Maya Angelou, escritora e ativista norte-americana, “não trocaria minha jornada por nada”.
Temos a certeza que algum dia, em algum lugar, alguém vai se lembrar do que fizemos por aqui e falará sobre o nosso trabalho com afeto e carinho. E aqui, minha cara gente estranha, vencemos muito.
Hoje temos o 21 de Junho, dia do nosso aniversário e que se tornou o Dia do Orgulho Freak. Temos uma bandeira estranha para chamar de nossa e levantá-la para ser beijada pelo vento. Ela marca o lugar da pirataria de conhecimentos dos corpos e corpas e tráfico de compartilhamentos sobre possibilidades de manifestar, instaurar e expandir a vida. E sempre – sempre! – quando alguém for falar sobre a nossa história, espero que comece por aí: foi uma plataforma estranha que buscava expandir e celebrar as vidas estranhas.
Muito obrigada para vocês que nos acompanham por 18 anos ou 18 segundos. Seguimos na luta contra as injustiças sociais e utilizando os nossos corpos e corpas estranhas como grandes tanques de guerra. Que a nossa voz estremeça o chão. Que o nosso silêncio atordoe a normatividade compulsória. Que as nossas danças furiosas e alegres lembrem as classes dominantes que nunca, jamais, seremos capturadas, dominadas e domesticadas. Não nos dobraremos!
Dancem, dancem, dancem os dezoito anos.
Cantem, cantem, cantem os dezoitos anos.
Por quem veio antes de nós. Para quem já se encantou. Para quem aqui ainda está. Para quem virá na aurora do amanhã mutante.
Viva! Amem!
Feliz dezoito. Feliz Orgulho Freak!
T. Angel
Ps. Salvem na agenda o dia 23/06 às 19:30, teremos um encontro online para cantar parabéns para o FRRRKguys e celebrar o Dia do Orgulho Freak. Falaremos mais em outra publicação.
1 thoughts on “E o FRRRKguys completa 18 anos de vida…”
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