Barriga é o apelido de Fabiano Manoel da Silva. Nascido no interior de São Paulo em 1981, na década de 90 começou – pouco a pouco – a se envolver com a cultura da modificação corporal. O movimento punk levou para sua vida ideologias e também o desejo de se apropriar do próprio corpo com técnicas como a tatuagem e o body piercing. Assim o fez.

Posteriormente percebeu que o campo da modificação corporal também poderia ser onde se realizaria profissionalmente. Inicialmente como body piercer – ofício que segue exercendo -, e depois, como tatuador, inspirado fortemente pelo trabalho do britânico Xed Le Head. Do auto-uso do corpo, passou a possibilitar a modificação corporal para outras pessoas.

Conversamos com Barriga para conhecer um pouco mais sobre a sua trajetória na comunidade da modificação corporal (e para além dela). Com sua típica generosidade e seu coração de veludo, respondeu todas as nossas perguntas com sua tão rara atenção. Conforme líamos suas palavras, suas vivências, escutávamos em nossa mente sua voz terna e macia.

Nós do FRRRKguys o agradecemos publicamente, tanto pela já mencionada atenção quanto pela chance de aprender um pouco mais sobre as nossas histórias partindo da sua história em particular. E uma forma de retribuir a nossa gratidão, partilhamos aqui esse nosso dedo de prosa. Que é uma conversa, mas também uma pequena (grandiosa) aula de história. Sobre a nossa história!
Boa leitura!

FRRRKguys: Eu sempre repito essa pergunta nas entrevistas que faço porque acredito que ela sempre abra espaço para diálogos bem importantes, então vamos lá… Como e quando você começa a se relacionar com a cultura da modificação corporal?
Barriga: No ano de 1995 depois de muito insistir, minha mãe perfurou minhas orelhas, só que eu não queria fazer como os garotos daquela época, perfurar uma orelha. Eu quis perfurar as duas e isto causou um certo desconforto para as pessoas na escola e na minha família, mas eu não liguei pois tinha o apoio da minha mãe. Durante o ano de 1997 pra 98 comecei a ter meus primeiros contato com a cultura punk, dai cresceu em mim o desejo de ter alguns piercings e tatuagem. Comecei com os piercings e no final de 1998 fiz minha primeira tatuagem, um punk atirando um coquetel molotov.

FRRRKguys: Quais foram as técnicas de modificação que você fez em seu corpo?
Barriga: Piercings já tive vários, hoje mantenho poucos. Dilatação do lóbulo, tatuagens, implantes, escarificação e suspensão corporal.

FRRRKguys: Sabemos que profissionais nacionais e estrangeiros já realizaram procedimentos em ti. Gostaríamos de ouvir sobre como você escolhe profissionais para determinadas técnicas. E se dentre todas que você já fez, existe alguma que foi mais marcante.
Barriga: Então, para mim não basta ser somente um excelente profissional, me interesso  pela vida daquela pessoa, por onde ela anda e por onde já andou, sua trajetória como pessoa. O procedimento que escolho com aquele profissional não envolve somente o pagamento em dinheiro e sim uma troca de experiência e de vivências, no final, quero sair daquele procedimento com a energia renovada e não com a sensação de esgotamento.
Para mim as mais marcante até hoje foram duas, a minha primeira suspensão que foi realizado pelo Valnei Santos e o Angelo  Martinez no Inter_Hook em 2011, onde eu iniciei meu caminho no mundo da suspensão corporal.  E a escarificação que fiz com Shiva em 2017, esta para mim foi um marco pois tinha passado um período internado onde realizei duas cirurgias e tinha acabado de descobrir meu caminho com a espiritualidade. Foi um procedimento para marcar está nova fase da minha vida.

FRRRKguys: Além do seu envolvimento com a modificação corporal, você também tem um envolvimento com a suspensão. Conte sobre isso, que lugar a suspensão corporal ocupa em sua vida?
Barriga: Tenho muito amor e respeito pela suspensão, ela tem um lugar muito importante na minha vida, através dela pude marcar momentos importantes  e conhecer pessoas que tenho muito admiração e respeito. Também pude iniciar várias pessoas neste universo tão lindo e muitas delas fico sempre emocionado quando vejo seus trabalho e vejo o amor que elas têm pela suspensão.

FRRRKguys: Você trabalha como profissional da tatuagem. Quando você percebeu que essa era a profissão que você queria seguir?
Barriga: Eu já trabalho neste meio a uns 15 anos, mas só decidi começar a tatuar a 7 anos atrás. Nesse período dentro dos studios meu amor pela tatuagem foi crescendo e pude trabalhar com diversos profissionais e aprender muito coisa, mas só quando foi me dito que eu poderia fazer o que venho fazendo que senti que estava na hora de começar. Pois nos meus primeiros anos dentro de um studio sempre era me passado um olhar muito pequeno dentro do mundo da tatuagem, me diziam que  só daria certo se eu tatuasse aqueles desenhos que eram vendidos nos álbuns de tatuagem e aquilo não me despertava interesse. Mas quando conheci os trabalhos do Xed Le Head que me encontrei na tatuagem. Era um mundo novo com geometria sagrada, pontilhismo e blackwork tattoo com muitas possibilidades.

FRRRKguys: Quais as principais dificuldades e alegrias da profissão do tatuador de acordo com sua vivência?
Barriga: A maior alegria e trabalhar com o que eu amo e poder ser eu mesmo, pois para mim uma das dificuldades sempre foi encontrar um lugar onde eu pudesse  ser eu mesmo. Mas nesses 15 anos tive muitas experiências ruins dentro do mundo dos studios pois sabemos que ainda existem muitos locais nada seguros, já tive que abrir mão de vestuário para poder trabalhar em um studio, já me foi tido que eu tinha um bom trabalho mas não poderiam me contratar pois eu tinha um visual muito agressivo e isto seria prejudicial para ao studio. Já vi muitas pessoas com talento desistirem da profissão por não conseguirem lidar com a questão da venda de seu trabalho, de serem assediadas por dono de studio e ate mesmo por clientes, pois muitos tem uma visão muito errada sobre nós profissionais, falo por experiência, as pessoas até hoje me enxergam como um doidão, mas quando me conhecem desacreditam que eu não faço uso de nenhum tipo de drogas, que sou Budista, vegano e que não gosto de sair a noite e que uso meu tempo livre para me dedicar as minhas práticas espirituais.

FRRRKguys: Percebemos que a questão da espiritualidade é algo forte e muito importante pra ti. Conte-nos um pouco mais sobre isso, por favor…
Barriga: Então, eu nasci em uma família católica, cheguei a fazer primeira eucaristia mas não era algo que me tocava la no fundo. Com o meu contato com a cultura punk me tornei uma pessoa ateia, e fiquei assim por muitos anos. Mas com o passar dos anos comecei a ver que aquele ateísmo não dava conta de tudo, comecei a me interessar por outras culturas e religiões, mas isto permaneceu durante um tempo só no campo dos estudos.
Em 2015 fui pela primeira vez em um templo budista, mas só em 2016 depois de ter ficado internado por 40 dias onde tive que passar por duas cirurgias e ter ficado quase 30 dias sem poder comer e tomar água que comecei a praticar meditação e naquele período, dentro do hospital, comecei a refletir muito sobre os ensinamentos do Buda e que era necessário buscar algo para além do que eu vinha vivendo. Então logo que pude voltar para as minhas atividades eu voltei a frequentar o templo Budista Theravada da Tradição da Floresta, onde com o auxilio de alguns amigues que fiz lá e com os ensinamentos do Ajahn Mudito encontrei meu caminho com a espiritualidade.
Hoje entendo e lido melhor com meus sentimentos e o fato de saber que tudo e impermanente. O que nasce tende a morrer e que já tive várias vidas e com certeza essa não será a última, sigo buscando me desenvolver como pessoa e me desenvolver na pratica da meditação.
Hoje o mosteiro não fica mais no rio, como é uma tradição da floresta foi construído um mosteiro em São Lourenço no Sul de Minas e sempre que posso vou até lá. Onde posso ficar alguns dias seguindo práticas mais intensas e me desligo um pouco da confusão da cidade e me ajuda a superar e aceitar as dificuldades do dia-a-dia.

FRRRKguys: Você destaca em seu perfil no Instagram que realiza blackwork tattoo. Conte para nós como esse estilo (é um estilo para você?) surgiu no seu caminho?
Barriga: Blackwork tattoo faço uso deste termo pois acho que ele engloba os trabalhos que realizo, nos meus trabalhos faço uso de geometria sagrada, pontilhismo e grandes partes do corpo chapadas de preto. E eu só me tornei tatuador por conta deste estilo, como eu disse antes só decidi começar a tatuar quando tive contatos com os trabalhos do Xed Le Head.

FRRRKguys: Percebemos que alguns dos seus trabalhos têm grandes partes do corpo chapadas em preto. Tecnicamente falando, como se alcança um bom resultado em curto e longo tempo?
Barriga: Para ter um bom resultado primeiro  o tatuador tem que gostar de fazer, pois muitos não gostam e acabam fazendo pela grana e, por isso, vemos vários trabalhos mal executados. Além de gostar tem que ter  um equipamento adequado, desde de máquinas e agulhas e por último parar de achar que chapar preto qualquer um faz, pois  vejo muito acontecer de pessoas fazendo este tipo de trabalho com aprendizes por acharem que algo fácil que e só chapar preto, estão muito errados. E um trabalho demorado e tem que ter paciência e treinamento correto.

FRRRKguys: Quais são suas grandes referências no meio da tatuagem?
Barriga: São muitas: Xed Le Head, Lily Lu (Little Swastika), Nazareno Tubaro, Gerhard Wiesbeck, Gakkin, Tomas Tomas, Freak Garcia (Garcia Leonam), Nissaco, Moises La Migra, Haxan, AjahnMan,  Helen Hitori, Marco Galdo e muites outres.

FRRRKguys: Qual principal evento voltado para comunidade da modificação corporal você viu acontecer nos últimos anos?
Barriga: Então, vi alguns e puder participar de alguns: Frrrkcon, Conscar, Inter_Hook, Suspension Attack e vários encontros de suspensão corporal espalhados pelo Brasil. Também participei de vários Workshops e congressos educativos.

FRRRKguys: Você tatua no eixo Rio e São Paulo, qual a diferença que você percebe ente os Estados?
Barriga: Eu sou de SP, mas comecei a tatuar no RJ pois estava morando lá. Mas  pelo estilo de tatuagem que escolhi fazer não é muito procurada no RJ e nos últimos anos comecei a tatuar muitas pessoas de SP e de outras cidades. Acho que o RJ por ser uma cidade de praia as pessoas ainda não estão muito abertas para novos estilos,  isto vem mudando mas  me parece um processo lento. Mas continuo indo ao RJ para tatuar e também para fazer algumas perfurações pois tenho clientes que estão comigo há muitos anos.

FRRRKguys: Você se declara enquanto uma pessoa vegana. Como tornar um procedimento de tatuagem vegano?
Barriga: Hoje em dia não é tão difícil ter um procedimento de tatuagem vegano, a  maioria das tintas não tem produtos de origem animal e não são testadas em animais. E os outros produtos usados em um procedimento de tatuagem é bem mais fácil escolher marcas que não testam em animais. Eu fico triste quando eu vejo pessoas que não são bons profissionais usando deste artifício para atrair cliente, como usar uma propaganda: ”Faço tatuagem vegana”. Para uma pessoa que é vegana mas não conhece o processo da tatuagem isto acaba sendo um atrativo e, no final, a pessoa acaba com uma tatuagem que não ficou do jeito que ela queria. Falo isto pois já tive clientes que vieram cobrir tatuagens e tinham feito com aquela pessoa por conta de propaganda como essas.

FRRRKguys: Em relação aos direitos dos animais, anualmente nós vemos pessoas tatuando e/ou perfurando animais. Como você enxerga essa prática? Quais caminhos podemos trilhar para que essa prática diminua?
Barriga: Eu abomino está pratica. As pessoas tem que entender que aquele ser sente dor e não é um brinquedo e merece respeito. Acho que o caminho e este, elas tem que entender que esses seres são como nós, eles tem sentimento e  não estão no mundo para serem usados e descartados quando acharem que não e mais conveniente tê-los por perto.

FRRRKguys: Uma curiosidade nossa. Você é tatuador e circula frequentemente no meio do piercing. Conta um pouco pra gente dessa sua relação e e proximidade?
Barriga: Durante estes 15 anos de envolvimento com as práticas de modificação corporal, boa parte desses anos foram dedicados ao estudo e prática das perfurações corporais. Fiquei uns 8 anos atuando como piercer. Ainda continuo estudando muito sobre está prática e sempre me mantendo atualizado, pois ainda faço muitas perfurações. Nesses anos todos, muitos clientes se tornaram amigues e me procuram pra fazer novas perfurações.

FRRRKguys: A modificação corporal ainda é underground em sua opinião?
Barriga: Em parte acho que certas modificações ainda continuam sendo underground, mas muitas delas hoje são aceitas pela sociedade. Quando era jovem fui retirado da sala de aula onde estudava só por conta das roupas que vestia, uma calça rasgada com alfinete e rebites, hoje vemos este tipo de roupa sendo vendida em lojas. Assim acontece com o piercing e a tatuagem quando são feitas dentro do padrão considerado aceito pela sociedade. Mas quando destoamos desses padrões temos que estar preparados e cientes das consequências que vem com nossas decisões. Muitas vezes o próprio meio trata de te colocar como um diferente, no meio da tatuagem isto acontece muito. Eu por exemplo já fui olhado de formas diferentes por outros profissionais por ser uma pessoa com outros tipos de modificação, eu lido com isto de forma natural pois estou feliz com minhas escolhas, só não venha faltar com respeito.

FRRRKguys: Deixe uma mensagem para as pessoas que irão nos ler e que têm como sonho ingressar profissionalmente na área da tatuagem.
Barriga: É uma profissão linda, mas como qualquer outra tem seu lado bom e ruim, sempre busque aproveitar ao máximo as coisas boas para que as ruins se torne pequenas no seu caminho. Gratidão à todes que estão comigo nesta jornada.

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