Algumas palavras sobre Hellraiser de 2022

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Foto: reprodução/Google

“Há muito mais para que o corpo tenha sido feito para sentir. E você vai sentir tudo, antes de terminarmos.”
The Priest / Pinhead

No minicurso sobre Histórias das Modificações Corporais no Brasil, que comecei a ministrar em 2020, reservo um momento para tratar do impacto das produções audiovisuais, sobretudo, filmes e séries na comunidade da modificação e suspensão corporal. É um eixo que chamo de Películas e ganchos: discussões do imaginário sobre a suspensão corporal através do cinema, bastante inspirada e influenciada pelo texto Peles fílmicas – considerações sobre modificações corporais e cinema (2006) da professora doutora Beatriz Ferreira Pires.

O impacto, de modo resumido, é que essas obras, em sua maioria, costumeiramente são construídas (ao passo que também constroem perspectivas) dentro de um imaginário da vilania, perversidade, satanização, maldição, patologização, criminalização ou aquilo que é ruim ou de caráter duvidoso. E tudo isso, claro, tem impactos reais na comunidade e na vida das pessoas.

Ali, discorro sobre vários títulos, muitos deles, que percorreram cinemas ao redor do mundo, outros que percorrem diferentes plataformas de streamings alcançando milhões e milhões em dinheiro e audiência.

Em uma das turmas do minicurso, trouxeram para o debate a franquia Hellraiser (1987), clássico do horror de Clive Barker. Lembro que no momento, afirmei que havia a relação com os corpos suspensos, mas não sabia exatamente se entrava no debate que estávamos construindo naquele momento e que precisaria rever o filme.

O corpo é destruído em Hellraiser de 1987. Foto: reprodução

Eis que em 07 de Outubro de 2022, tivemos a chegada do reboot de Hellraiser na plataforma Hulu. No Brasil, a expectativa é que seja disponibilizado na Star+, todavia, não temos data para que isso ocorra. Aproveitando o lançamento, foi momento de ver o novo e voltar ao velho e, com isso, fazer aquele bom e necessário exercício de reflexão. Que me acompanhava desde aquela aula…

O primeiro ponto, tanto no novo como no velho, há sim uma relação das modificações e suspensões corporais dentro do campo da vilania e da perversidade. É inegável. Cenobitas têm seus corpos construídos e modificados com perfurações e marcações. O próprio Pinhead diz na obra de 1987 que para algumas pessoas elus são seres angelicais e para outras, demônios. A ideia do prazer e da dor, que exploram, fazem bastante referência também ao universo BDSM. As suspensões aparecem sempre como tortura ou forma de matar e destruir corpos. Não há uma conotação positiva – com esses usos do corpo – que se extraia dali.

Cenobita fêmea de 1987 com perfurações nas bochechas e um nasalang. Foto: reprodução

E embora tudo seja explícito o bastante, fiquei pensando se essa relação foi difícil de estabelecer em minha cabeça, por ser fã de Hellraiser e por guardá-la no campo da memória afetiva ou se não cabia mesmo encaixar a obra dentro da crítica que faço aos demais títulos. Penso que temos um pouco disso tudo.

Cenobitas: Pinhead, Twins e Angelique de 1996. Foto: reprodução

Percebo, refletindo e revendo coisas que já escrevi e retornando aos filmes, que o impacto de Hellraiser em específico acaba sendo menos prejudicial por ser tratar de uma obra de fantasia, diferentes das demais que trazem personagens ficcionais, mas que são pessoas perversas e/ou doentes, psicopatas, serial killers ou amaldiçoadas. Em Hellraiser, o lugar é outro, temos o horror e ao mesmo tempo a fantasia pura, um outro universo nos é oferecido. Há inclusive a brincadeira que agora Pinhead seja a nova princesa da Disney, uma vez que a Hulu faz parte da corporação.

A nova produção, que provavelmente seja o abre alas para tantas outras mais, resgatou uma saga que estava em declínio nas telas. No meu ponto de vista, de fã, não desaponta e entrega tanto ou mais que o filme de 87.

Além dos ganchos, as referências ao corpo modificado são incontáveis no novo grupo de cenobitas. As roupas de couro animal foram substituídas por vestimentas que são produzidas por suas próprias peles. Peeling ou escarificações desenham as roupas. Os alfinetes adornam o corpo e ao mesmo sustentam as vestimentas construindo uma estética impactante e bastante fiel a ideia do prazer e da dor que a obra de Barker trabalha.

The Gasp. Foto: reprodução
Cenobitas de 2022. Foto: reprodução/Facebook

Dizem por aí que a nova geração teve a Pinhead que merecia. Interpretada pela atriz transgênera Jamie Clayton, tivemos, sem sombra de dúvida, a melhor que poderíamos ter, assim como tivemos nos anos 80, o Doug Bradley. Não é uma competição, são diferentes tempos e diferentes também são as potências artísticas que invadem as telas e imaginários.

Pinhead de 2022. Foto: reprodução

Jamie Clayton nos entrega uma Pinhead forte e intensa e que acende o desejo por (sentir) mais, ver mais e conhecer mais desse universo… Os rumores apontam continuidades, veremos, veremos…

E vocês? O que viram? O que sentiram?

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