Analisando a presença da tatuagem na série Dilema

Maddie Carter é uma das personagens da série. Foto: reprodução/Netflix

A série de suspense Dilema (título original: What/If) criada por Mike Kelley estreou na Netflix no dia 24 de Maio de 2019. Aqui não analisaremos a série em si, mas a presença da tatuagem em suas personagens, focando a análise especificamente em duas delas, Cassidy Barret (Daniela Pineda) e Maddie Carter (Allie MacDonald).

O primeiro ponto a ser marcado como positivo é que as duas atrizes que representam as personagens, são de fato tatuadas. Consideramos como ponto positivo porque há alguns anos as atrizes e atores das grandes produções não poderiam ter tatuagens grandes, nem visíveis e as pessoas que desafiavam essa regra, passavam por um processo de “camuflagem” com roupas e maquiagens para esconder as marcas corporais. Outras perdiam o papel.

A ideia de que as tatuagens possam ser incorporadas nas personagens já é fruto de uma transformação social em que essas marcas corporais não sejam mais atributos para exclusão. Embora saibamos que ainda seja em alguns lugares para além das artes e entretenimento.

Ainda que falamos sobre avanços, precisamos estar sempre atentas em como a presença da tatuagem está acontecendo. Principalmente quando percebemos que existe uma espécie de manutenção de imaginários tortos e estereotipados sobre as pessoas tatuadas e é sobre isso que falaremos daqui em diante. Caso você não tenha assistido a série ainda, talvez aqui seja o momento de você interromper a leitura por conta de spoilers. Assista e depois regresse mais tarde.

Cassidy é uma cientista de grande talento. Foto: reprodução/Netflix

Cassidy e Maddie são personagens de perfis completamente opostos. Embora ambas sejam tatuadas, Maddie tem mais tatuagens visíveis, os seus antebraços têm vários desenhos, alguns são traçados em preto no estilo oldschool. Na trama, as tatuagens de Cassidy são quase sempre ocultadas pela roupa, como na imagem acima. Já em Maddie as tatuagens são sempre visíveis e exploradas pela câmera e drama.

Aqui esbarramos no que em nossa análise entendemos como manutenção do imaginário estereotipado e perverso sobre as pessoas tatuadas.

Temos uma Cassidy que é cientista, super inteligente, competente e a melhor amiga da protagonista e “mocinha” da série. O seu corpo tatuado aparece pouco e quando aparece traz consigo uma conotação mais neutra. O que temos é uma jovem cientista tatuada. A tatuagem – que pouco aparece – se configura, em nossa leitura, como uma possível representação da juventude e de sua personalidade inquieta e questionadora. Não há um caráter moralizante.

Por outro lado, temos uma Maddie que é traçada como a garota problemática e uma espécie triste de vilã que tenta prejudicar o “mocinho” da série. Viciada em drogas, vítima de violência, se torna uma pessoa de caráter duvidoso e é retratada como uma chantagista. Suas tatuagens aparecem frequentemente e são bem exploradas pela câmera, principalmente nas cenas mais dramáticas. Aqui, em nossa leitura, há uma forte intenção de moralizar a tatuagem de Maddie enquanto uma personagem problema, rebelde e que sempre deixa um ruído negativo quando surge em cena.

Dilema reforça estereótipos sobre pessoas tatuadas. Foto: reprodução/Netflix

Se existe um imaginário cultural sobre as pessoas tatuadas relacionadas ao que não é bom, a série usa e reforça esse artifício por via da personagem Maddie Carter. Nesse sentido colabora bem pouco com a construção de uma imagem positiva acerca das pessoas tatuadas.

A série Dilema, ainda que seja uma produção de 2019, trabalha debruçada com estereótipos antigos e datados sobre pessoas tatuadas. Talvez o tempo – e somente ele – nos traga produções em que as modificações corporais sejam apenas modificações corporais e não marcas que reforcem a falta de qualidade, caráter ou vilania de pessoas. Que embora estejam lá na ficção, sabemos e sentimos na carne os efeitos dessa construção de imaginário vil.

Seguimos.