Bolsonaro censura propaganda sobre diversidade do Banco do Brasil

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“Deixem de lado os judeus por um momento. Pensem noutra minoria, uma que… Que pode passar despercebida, se necessário. Existem minorias de todos os tipos, louras, por exemplo. Ou pessoas com sardas. Mas uma minoria só é reconhecida como tal quando constitui ameaça à maioria. Ameaça real ou imaginária. E aí reside o medo. E se essa minoria é de algum modo invisível… O medo é ainda maior. E esse medo é a razão pela qual as minorias são perseguidas. Portanto, há sempre uma razão. A razão é o medo. Mas, minorias são apenas pessoas. Pessoas como nós.”
A single man (EUA, 2009)

Trinta segundos de filme. Trinta segundos que contam agora a história de um país em colapso, retrocessos e em ruínas.

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), pediu nesta quinta-feira (25) o cancelamento de uma campanha publicitária já pronta pelo Banco do Brasil. A obra divulgava o aplicativo do banco e trazia pessoas negras, trans, tatuadas e jovens numa gama de diversidade. A propaganda estava no ar desde o começo de Abril e foi suspensa no último dia 14, depois que o presidente Bolsonaro assistiu ao filme. O diretor de Comunicação e Marketing do banco, Delano Valentim, acabou sendo exonerado.

O caso teve grande repercussão na imprensa nacional, alguns canais dizendo que o presidente vetou o comercial e outros que foi censura. Optamos em usar a palavra censura para escrever de forma alinhada com a trajetória de um político que defende sistemas ditatoriais, sistemas de censura e ditadores. Embora quando se trate de defender pessoas que produzem e reproduzem discursos de ódio, o presidente clame pelo direito da liberdade de expressão e até sabe se colocar contra a censura, etc. Irônico.

Lauro Jardim, colunista do O Globo, escreveu que “sabe-se lá porquê, Jair Bolsonaro se envolveu pessoalmente no caso e procurou Rubem Novaes, o presidente do banco, para se queixar da peça”. Sabemos o porquê. O presidente construiu sua carreira política com base em discurso de ódio e discriminação contra grupos de pessoas, principalmente a população LGBTQI+. Inclusive foi esse discurso que o levou até a presidência, embora no Brasil muitas pessoas neguem que sejam LGBTQfóbicas e/ou negam que o presidente também o seja, embora ele próprio já tenha se declarado como tal. Não nos esqueçamos que Bolsonaro já discursou que “as minorias precisam se curvar para maioria”. E isso responde bastante o motivo pelo qual ele se envolve pessoalmente com assuntos como uma propaganda de banco. Estamos falando de benefícios e de manutenção de privilégios.

Não acreditamos que se trate de um simples veto, pela violência que o episódio suscita. É censura que chama. Nesse sentido, não precisamos de muitas declarações explícitas e justificativas escusas do motivo pelo qual a peça publicitária foi retirada de veiculação. Já tivemos essas respostas antes todas e muitas vezes.

A propaganda exibe em 30 segundos um total de 14 pessoas, sendo 7 delas negras. Segundo uma pesquisa da agência Heads, divulgada no ano passado, a presença de negros protagonistas nos comerciais não passa de 16%, entre as mulheres, e 11%, entre os homens. Não resta dúvida que os 50% incomodou o presidente. Aparentemente o incomodou mais do que os 80 tiros feitos pelo Exército Brasileiro que assassinou o músico Evaldo dos Santos Rosa de 51 anos de idade no Rio de Janeiro.

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No comercial, os atores são quase todos jovens, dentre as pessoas participantes, uma das personagens é transexual. Muitos aparecem com tatuagens e cabelos coloridos. Não precisamos escrever sobre o quanto as pessoas trans* incomodam o presidente (e não só ele). O quanto a palavra gênero em si o incomoda, é o seu grande “bicho papão”. Não podemos ignorar a sua guerra contra a chamada “ideologia de gênero”, que sem meias palavras, suscita nada mais e nada menos que a exclusão e extermínio de pessoas que ele considera inadequadas, inapropriadas e incompatíveis. O que nos faz pensar muito na canção Não recomendados:

“A placa de censura no meu rosto diz:
Não recomendado a sociedade
A tarja de conforto no meu corpo diz:
Não recomendado a sociedade”

Se tratando de diversidade é importante considerar ainda a presença de pessoas com tatuagens visíveis, que por muito tempo não estiveram presentes em publicidades (e outros espaços), pela relação da tatuagem com à marginalidade e criminalidade. E depois, precisamos considerar ainda que a tatuagem – e outras modificações corporais – passaram a estar presentes na publicidade, mas muitas vezes ainda reforçando estereótipos e estigmas, como o da pessoa agressiva, violenta e radical.

Retirar do ar de forma autoritária uma propaganda que trata da diversidade das identidades brasileiras é alimentar diretamente a discriminação, o preconceito e a desumanização de grupos de pessoas que historicamente viveram e vivem processos violentos de negação da dignidade humana. É sublinhar que grupos que historicamente foram tornados invisíveis e não belos retornem para o quarto vazio do apagamento. Nós não vamos!

Corpos negros, transgêneros, tatuados, perfurados causam incomodo ao presidente porque não estão mais invisíveis e pulsam belezas revolucionárias que exalam diversidade, pluralidade e vida. Vida. A vida que definitivamente tanto incomoda o presidente tão simpático à tortura e à morte.

Thiago Amparo, professor de políticas da diversidade da FGV, escreveu para Folha de São Paulo que Bolsonaro teme “por estarmos caminhando a passos largos – no setor privado e na sociedade em geral – para um mundo que se orgulhe de sua diversidade”.

Segundos dados do Centro de Pesquisa Pew em 27 países no mundo, publicado nesta semana, 51% da população brasileira considera a diversidade como algo positivo e apenas 13% se declaram contrários à ela. E isso causa temor e ressentimento em pessoas que estão assistindo o levante de uma multidão plural e diversa.

A nossa luta nessas terras, camarades, vem desde 1500. As peças publicitárias podem cair, mas os nossos corpos voarão.

REFERÊNCIAS
Bolsonaro veta campanha do Banco do Brasil marcada pela diversidade, e diretor é exonerado.
https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-veta-campanha-do-banco-do-brasil-marcada-pela-diversidade-diretor-exonerado-23621741

Questionado por “diversidade” comercial do BB tem mais negros que a média
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/04/26/diversidade-comercial-do-bb-tem-mais-negros-do-que-media.htm

Bolsonaro veta comercial do BB marcado por diversidade e exonera diretor do banco.
https://www.revistaforum.com.br/bolsonaro-veta-comercial-do-bb-marcado-por-diversidade-e-exonera-diretor-do-banco/

Ao censurar comercial do BB, mostra ter medo da diversidade; decisão vai na contramão do mercado
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/thiago-amparo/2019/04/ao-censurar-comercial-do-bb-bolsonaro-mostra-ter-medo-da-diversidade-decisao-vai-na-contramao-do-mercado.shtml