“Corpo Intruso”, de Estela Lapponi, investiga a expressão artística dos corpos com deficiência

0 Flares 0 Flares ×

A performer e videoartista paulistana relata em livro como, após sofrer um AVC em cena, transformou sua maneira de viver (n)o mundo e (n)a arte, e mostra a potência de abandonar padrões e verdades coloniais

A performer e videoartista paulistana Estela Lapponi lança o livro Corpo Intruso: uma investigação cênica, visual e conceitual, no dia 10 de junho, sábado, das 14h às 18h, no Exquisito Bar (Rua Artur de Azevedo, 2079). Fruto do PROAC LAB 2021, Prêmio pelo Histórico em Artes Visuais, a obra está sendo lançada de forma independente e virtual. Lançado em formato digital e em audiolivro, traz a história da artista, que teve um AVC encenando uma peça de teatro no centro de São Paulo, e narra sua trajetória até a criação e desenvolvimento do conceito “corpo intruso”. A obra estará disponibilizada para venda online a partir do dia 17 de maio.

“Corpo intruso é o que não está convidado. O que não é visto como parte. O que pode ser indigesto ao mesmo tempo que pode ter certo humor”, afirma a artista. A sua trajetória também não é convencional. Atriz, e recém formada em jornalismo, Estela já tinha uma trajetória artística quando, em 1997, no início de uma peça apresentada ao ar livre no centro de São Paulo, sofreu um AVC. O livro possui prefácio e texto de encerramento do artista pesquisador e professor de dança Edu O., também pessoa com deficiência.

Ela conta: “O AVC me trouxe um apagão absoluto das funções motoras do lado esquerdo, o que fez eu me distanciar de mim mesma, EU. A mudança ocorrida foi brutal e repentina. Eu/corpo mudei radicalmente de referência. Por 4 anos, com total apoio financeiro do meu pai, fiz todas as terapias de reabilitação possíveis. Meu único desejo era recuperar 100% os movimentos do lado esquerdo, ‘curar minha deficiência’, ‘tornar-me capaz’, ‘ser inteira novamente’ para poder continuar o plano de ser atriz e ‘voltar à vida’.

Aos poucos, foi se dando conta que o querer voltar a ser como era antes do AVC, tratava-se de um modo de pensar oriundo do modelo médico da deficiência, que significa ter que “se arrumar”para poder “voltar à vida”.  Foi percebendo ainda como a sociedade – e paradoxalmente o mundo das artes – invisibilizam os corpos com deficiência. Seu corpo era um “corpo intruso”, e esse conceito, que criou em 2009 quando morou na Itália, direcionou sua reflexão e seu fazer artístico para tratar dessa e outras questões sem pedir licença.

Estela conta em detalhes o momento em que sofreu o AVC, a cirurgia de emergência, o início do processo de reabilitação e como ela começou a perceber o capacitismo em si própria e à sua volta. Apoiada em um rico referencial teórico sobre deficiência, capacitismo e a relação com a teoria Queer e teoria Crip, a autora questiona a superficialidade com que se define o que é o ser humano: animal bípede, que anda ereto sobre duas pernas?! Quem essa definição equivocada exclui? Os corpos como o dela. “No mundo vertical que construímos, ‘ficar em pé’ muitas vezes aparece como uma condição para produzir, trafegar, e participar de diversas esferas da vida” – escreve Beti Finger, bailarina e coreógrafa, no texto para o gesto “Ficar em Pé”, citada por Estela.

Ela afirma que “o ‘tornar-me Pessoa Com Deficiência’, ou melhor ainda, DEF (termo que prefere para se autodescrever e que designa uma cultura) , foi uma trajetória longa, que se deu através da vida vivida”. Parte da obra é dedicada à questão da Educação e sobre como, apesar dos avanços trazidos pela Lei Brasileira de Inclusão, ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015, a estrutura educacional ainda é hostil e determina equivocadamente um “corpo ideal”, ilusório e subserviente ao sistema capitalista neoliberal. Ela mergulha na história da relação da sociedade com os DEFs desde a antiguidade até o movimento eugenista, que teve seu ápice com a política oficial da Alemanha nazista de extermínio das Pessoas com Deficiência, que matou aproximadamente 200 mil pessoas entre 1939 e 1945. Estela aborda ainda os retrocessos das políticas para as Pessoas com Deficiência no governo Bolsonaro e o impacto da pandemia da COVID-19, que deve aumentar os números de pessoas que possuem algumtipo de deficiência.

Por fim, ela relata sua jornada para reinventar sua reflexão e prática artística como artista DEF. Conta o processo que levou à criação da persona performática Zuleika Brit e o conceito de Corpo Intruso, desdobrado em práticas artísticas nas diversas linguagens – performance, workshop, intervenção, palestra, curta-metragem. O livro traz o registro destes trabalhos, realizados desde 2012, e pode ser lido como um manifesto de uma artista que usa sua vida e corpo para propor sua própria maneira de significar arte, estética e como estar no mundo.

O livro contará com a presença do Manifesto Freak. Foto: divulgação

Não me ofendo com a palavra Deficiência.

Ela é minha identidade de pertencimento a uma parcela da população de quase 25% – o advento da COVID-19 com certeza aumentou essa porcentagem. Também não me ofendo com a palavra Capenga. Amo essa palavra! Ela me representa.

Busco na internet sua etimologia e descubro: do Tupi CANG, “osso”, e PENG, “torto”. Os significados são coxo, manco, defeituoso, torto. O defeituoso eu escolho riscar, pois remete a um pensamento ultrapassado,  mas de resto … Sou manca, sou coxa, meu andar é manco e possui um rebolado assimétrico único. Me aproprio desse capengar que é parte do meu existir e o ressignifico. Ela me propõe uma estética e é isso que me interessa: a experiência estética.

Estela Lapponi

Estela Lapponi é uma das principais artistas do nosso tempo e para além dele porque não é difícil saber que o mundo continua preso a padrões e verdades históricas criticadas e denunciadas por ela com seu poder de escancará-las em pensamento-arte-ação, borrando as falsas fronteiras dicotômicas que insistem em se perpetuarem no mundo.

Edu O.

Estela Lapponi é performer e videoartista paulistana. Tem como foco de investigação artística o discurso cênico do corpo com deficiência, a prática performativa e relacional (público) e o trânsito entre as linguagens visuais e cênicas.

Além de atuar em diversas linguagens, presta serviço de consultoria, curadoria e colabora artisticamente em projetos de outros artistas.

Também é coorientadora e professora convidada no Mestrado Profissional em Artes da Cena, parceria entre a Escola Superior de Artes Célia Helena e a Escola Itaú Cultural (2022–2024). Neste ano, além de lançar o livro está em fase de pós-produção de seu segundo curta-metragem, “LA HEMI”, sem data de lançamento, realizado por meio de edital da SPCine 2021.

Serviço:

Lançamento livro “Corpo Intruso: uma investigação cênica, visual e conceitual”, de Estela Lapponi, com tarde de autógrafos

Dia 10 de junho, das 14h às 18h

Exquisito! Bar

Rua Artur de Azevedo, 2079

Pinheiros – São Paulo

Livros impressos vendidos no lançamento a R$91,00

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 LinkedIn 0 Pin It Share 0 Reddit 0 Email -- 0 Flares ×