“O fascismo não é para ser debatido, é para ser destruído”
Buenaventura Durruti
O dia 08 de Janeiro de 2023 foi marcado pelo ato terrorista e antidemocrátrico em Brasília. Os chamados “cidadãos de bem” que invadiram e destruíram a sede dos Três Poderes, não aceitam o resultado das eleições de 2022 e a derrota de seu líder Jair Messias Bolsonaro (PL). Por viverem numa realidade paralela, que nega a democracia e que flerta com o nazifascismo e sistemas teocráticos, utilizou – mais uma vez – a linguagem da violência e brutalidade, característica forte desse movimento e grupo de pessoas. Destroem, agridem, ameaçam enquanto dizem amém.
As investigações seguem fortes, atualmente mais de 1.200 pessoas estão detidas para serem ouvidas pela Polícia Civil do Distrito Federal. Os vídeos que circulam partindo de onde essas pessoas estão em detenção e, aguardando para serem ouvidas, são assustadores, oscilam entre uma possível seita extremista e um filme de comédia muito ruim. São assustadores porque é explícito, pela configuração de seita, que essas pessoas estão dispostas a tudo.
Nas cenas que vão se tornando públicas, o grupo faz um revezamento entre orações, cantos inflamados, choros compulsivos e a contínua propagação de mentira, o que tem deixado a dramaturgia das novelas brasileiras no chinelo. E se o autoritarismo, a brutalidade e a violência são características desse movimento, a propagação da mentira é parte do combo.
Aos poucos vamos conhecendo também as caras dessas pessoas, o que é bastante importante por questões de segurança. Ontem a Choquei – com seus mais de 3 milhões de seguidores – compartilhou no Twitter um novo vídeo produzido por esses e essas terroristas que aguardam na Academia da Polícia Federal. Logo no início entramos em contato com a imagem e fala de um terrorista com modificações corporais. Um homem branco, tatuagem no rosto, braços e pernas, alargadores nas orelhas e os olhos pigmentados de preto. Ele – que não sabemos a identidade ainda, mas precisamos – diz:
“(…) sem saber o porquê. Muitas pessoas são inocentes e não deveriam estar, nem sequer aqui mais, isso é uma vergonha e a gente precisa de transparência e esclarecimento.”
E como esperado, as modificações corporais desse terrorista se tornam o alvo de ataque. Não é mais o que ele representa e defende, mas o corpo que ele é e tem. Comentários o relacionam com o demônio, alienígena e com aquilo que precisamos correr, não por ser um fascista e terrorista mas por ter o corpo modificado (monstruoso).
E como nós, pessoas com modificações corporais e freaks, acabamos sempre sendo caindo nas generalizações e estereótipos é importante destacarmos alguns pontos importantes, principalmente para tentar abrir diálogo com quem é de fora da nossa cultura e comunidade.
A comunidade da modificação corporal contemporânea no Brasil é bastante problemática desde sempre. Sabemos e ouvimos muitas romantizações sobre um passado glorioso que nunca existiu. Mais recentemente, desde 2013 – ou seja, antes do golpe de 2016 – estamos chamando a atenção para as alianças que estavam acontecendo entre pessoas da comunidade da modificação corporal com políticos fascistas e movimentos da extrema-direita. Por essas e outras que surgiram o Grupo de Estudos Sobre Modificações Corporais -GESMC (2014), o fórum Reflexões sobre as modificações corporais (2013), o Manifesto Freak (2015) e, em 2018, toda luta freak antifascista.
É por essa razão que vamos tentando nos descolar dessa comunidade da modificação corporal, historicamente problemática e que carrega em suas costas, um tanto de tudo, inclusive os neonazis e fascistas em seus múltiplos espectros. É por conta disso que vamos buscando reforçar exaustivamente a diferença entre comunidade da modificação corporal e comunidade freak. Não é tudo a mesma coisa!
O episódio de agora é apenas mais um exemplo e muito provavelmente não seja um caso isolado no atentado terrorista de 08 de Janeiro. Além do terrorista modificado que estava lá (que não estava sozinho, acreditamos), temos aqueles e aquelas que estão pelas redes sociais, fortalecendo esse ideologia da morte (é disso que o bolsonarismo se trata, uma vez que é assim que o fascismo se manifesta); temos aqueles e aquelas que preferem ficar nas sombras, fortalecendo esses movimentos nos grupos de WhatsApp e Telegram; temos aqueles e aquelas que preferem a indiferença e a omissão assumindo uma neutralidade, que de neutra não tem nada; temos aqueles e aquelas que seguem sentados na mesa com fascistas.
O nosso trabalho aqui é de micropolítica (e antinecropolítica). O nosso alcance é bastante curto. E ainda que ninguém mais diga e deixe registrado de alguma maneira tudo isso, nós o fazemos, porque é importante que isso aconteça.
É urgente que a comunidade freak se fortaleça e se organize mais enquanto uma legião. Que a luta freak antifascista ganhe a atenção e importância que merece, ou todas, todes e todos nós freaks estaremos perdides. Estejamos atentes e fortes!
Parafraseando a célebre frase de 1988 de Ulysses Guimarães (1916-1992): “temos ódio e nojo à ditadura“. Que possamos modificar muito mais que os nossos corpos e corpas. Que possamos resistir a assimilação da normatividade compulsória e, sobretudo que possamos destruir constantemente qualquer simpatia com o fascismo, como objetivo mor de estarmos aqui. Não passarão!