Crianças esquisitas precisam de histórias sobre pessoas freaks adultas e felizes

Ilustração: Aline Torchia

Crianças esquisitas andando pela rua. Crianças esquisitas dançando na fila do supermercado enquanto nos observam, mapeando tudo o que nosso corpo comunica e manifesta. Crianças esquisitas lendo as nossas experiências estéticas, subjetivas, poéticas, místicas e políticas. Crianças esquisitas aprendendo com a experiência minuciosa da observação.

Eu me recordo – enquanto criança esquisita que fui – do primeiro encontro com uma pessoa freak adulta. Eu estava sentada em uma loja de sapatos, esperando por minha mãe. Na fila do caixa lá estava ele. Um cabelo bagunçado em corte de moicano vermelho, camisa larga, bermuda xadrez e um All Star no pé. Suas orelhas adornadas. O seu lábio com uma longa e grande ponta. Apontava para onde? Para onde eu também poderia habitar.

Eu fiquei aqueles minutos de observação em estado de contemplação. Eu era uma criança esquisita encantada com as possibilidades de instauração da estranheza. Ele um freak adulto – aparentemente feliz e sem se importar com o seu entorno – comprando o seu sapato novo.

Anos depois a criança esquisita que fui se tornaria uma pessoa freak adulta. Feliz? Certamente não o tempo todo, ainda bem, ainda bem… Mas uma pessoa freak adulta com a realização e a ostentação maior que é a de manter e sustentar a vida marginal e desobediente que teci delicadamente para mim mesma. Ser uma pessoa freak adulta é um ato de afirmação e de rebeldia em um sistema configurado para asfixiar as diferenças. Homogeneizar. Higienizar. Capturar.

Hoje, sei e sinto, do meu encontro e contato com outras crianças esquisitas a responsabilidade que tenho em não deixar a chama da esquisitice e estranheza se apagar. Dos olhos das crianças esquisitas saem labaredas e faíscas ao encontrar em nós – pessoas freaks adultas – possibilidades outras de existência. E é por isso que precisamos contar as nossas histórias com entusiasmo, como diz o Manifesto Freak, “com a nossa própria voz, com a nossa própria escrita, com o nosso próprio silêncio, com o nosso próprio corpo”.

As crianças esquisitas estão em todos os lugares. Agora mesmo pode ser que alguma delas esteja na rua ou janela a te observar. Vendo em você a esperança de um amanhã possível. Onde suas estranhezas e esquisitices serão celebradas e não condenadas.

É preciso manter a vida pulsando. A nossa – de pessoas freaks adultas – e a das crianças esquisitas também, muitas vezes perdidas – assim como eu estive à deriva por muito tempo – no oceano da normatividade compulsória. Nós somos o esquisito farol das metamorfoses. Iluminemos os caminhos com as nossas histórias. É preciso dizer e repetir quantas vezes for: tranquila, tranquila, vai tudo ficar bem, criança esquisita. Você não está só.