Entre a fé e as lanças: entrevista com Alexandre Peco

Fotos: Arquivo pessoal

T. Angel: Como e quando se deu o seu primeiro contato com a modificação corporal?
Peco: Minha primeira experiência foi a tatuagem em 1995. Em 1997 o tatuador Trash do estúdio Marchioni Tatuagens aqui em Campinas me apresentou alguns livros e revistas do Fakir Musafar. No mesmo ano tive minha primeira experiência em Play Piercing e conheci a Convenção Internacional de Tattoo em São Paulo.


Foi a partir daí que comecei minha trajetória pesquisando e praticando experiências ligadas a este universo. Lembro que na época muitas coisas aconteciam em Campinas:  os implantes 3D do Trash em 1997,  em 1998 a primeira suspensão do Roberto Medeiros orientada por Filipe Espindola e pelo Trash e a suspensão Schinke realizada pelo Filipe e os brandings de Trash e Giba.
Minha referência sempre foi o tatuador Trash, pessoa que possibilitou ampliar meus conhecimentos sobre modificação corporal.  A Cris que é piercer do estúdio Marchioni sempre me ajudou e auxiliou em todas experiências e Body Mods, realizando os procedimentos com total profissionalismo. Conheci o BME desde 1997,mas só em 2002 tive oportunidade de comprar um computador, e comecei a participar do IAM onde conheci muitas pessoas legais e importantes da cena. Entre 2005 a 2007 comecei a colaborar com o site BME revisando textos sobre rituais e extreme body mod.

T. Angel: Quais os tipos de modificações você já fez?
Peco: Tattoos, tongue splitting (2002-revertida), septo com 5mm, metatomia, beadings, escarificações e implantes.

T. Angel: Conte um pouco de sua relação com a suspensão.
Peco: Para descobrir o que era modificação corporal pesquisei muito, li relatos sobre suspensão Hindu oferecidas a Murugan, assim como os pullings.  Tive duas experiências envolvendo suspensão corporal: a primeira foi durante o Suscon em 2004, lembro que o Korn veio me auxiliar trazendo um anel de titanium (frame) e um cheekspear para minha primeira experiência…

Foi incrível… Ouvi um mantra à Lord Murugan e isso tornava tudo mais especial, me senti em suas mãos e quando desci senti o quão forte tinha sido minha jornada, que só veio a fortalecer o que sentira em 1997 com a experiência do Body Play. E percebi que ritual era especial, era transformador! Após alguns anos, num encontro com amigos eu me suspendi pela segunda vez (knee) e não foi nada como antes… Não me transformou, não me tocou…

T. Angel: Você é um dos únicos brasileiros – e o primeiro que sabemos – que realizou o Kavadi. Conte-nos um pouco sobre essa experiência.
Peco: Conheci o Kavadi através de livro e revistas do Fakir e aquilo me impressionou muito. Então fui buscar mais informações na Internet e conheci Lord Murugan ao qual ofereço meus  rituais como: o Kavadi, Pulling e Suspensão.
O tempo passou e isso foi se fortalecendo cada vez mais em minha vida. Através do IAM-BME conheci o Korn e depois que ajudou em minha suspensão, me recebeu em sua casa na Holanda, onde tive oportunidade de conversar sobre, ver todos seus vídeos, conhecer os lugares de suas performances e seu Kavadi frame. Depois de tudo isso ele me auxiliou em meu projeto.
Retornando ao Brasil recebi uma oferta de trabalho como cozinheiro de navio, onde trabalhei por seis meses junto aos asiáticos e isso foi incrível, por que pude ter contato, discutir, ouvir as histórias e experiências com hindus através da fé. Isso fortalecia cada vez mais a minha crença no Senhor Murugan… Retornando para casa, junto ao  meu primo Tiago, prosseguimos no projeto de construir a estrutura do Kavadi de uma forma devocional e realizando a caminhada durante o Thaipusam 2007.


Experiências incríveis… Lembro que depois queria compartilhar com as outras pessoas e escrevia a experiência no site do BME. E também enviei a Templos na Índia, Sri Lanka, Malásia, pois queria saber o que achavam de um ocidental realizar um ritual no Brasil. Recebi total apoio da Comunidade Hindu e tive meu texto publicado no maior site sobre Lord Murugan do mundo . Recebia muitos e-mails de devotos pelo mundo, e isso foi fortalecendo meus contatos e fé, tendo em cada um deles um amigo, uma palavra de carinho e respeito.

T. Angel: Analisando as informações que encontramos sobre você na web, ficou evidente uma profunda relação entre modificação do corpo e espiritualidade. Talvez como o que Fakir Musafar propõe com o denominado movimento “primitivo moderno”, mas imerso em um âmbito hinduísta. Essa linha de pensamento que seguimos é correta?
Peco: Admiro demais o trabalho do Fakir Musafar, há 14 anos presente em minha vida. Através dele sempre busquei muitas referências, pude trocar e-mails com ele por um bom tempo e sempre falávamos sobre o Senhor Murugan e como ele está presente em nossas vidas. Em minha experiência com suspensão (knee em 2006) pude lhe relatar o quão diferente foi essa experiência… Foi quando ouvi falar de chakras, estados alterados da mente, viagens a mundos desconhecidos e tudo isso vindo de relato do próprio Fakir.  Segui o meu caminho sempre tendo o seu conhecimento como base. Agora, estudo chakras, Ayurveda e tenho um grande projeto de caminhar a pé por todo sul da Índia, cadastrando templos do Senhor, conhecendo e conversando com a comunidade e vivendo cada dia em Murugan.     

T. Angel: Agora já é possível perceber uma movimentação maior – ainda que pequena – de experiências de processos com lanças. Você pretende propagar ou colaborar com a propagação dessa prática no Brasil?
Peco: Isso veio através do Korn (Ego Kornus), em 2005 com Spears Variations ganhando o nome Spears Play na Argentina. Sempre acompanhei o trabalho dele e como eu tinha toda estrutura do Kavadi e as lanças, tentei essa experiência pela primeira vez na casa do meu primo Tiago em 2006.

Senti-me em paz  e tranquilo após essa experiência, me lembrou do sentimento de nove anos atrás, após meu Body Play em 1997. Uma sensação de paz, tranquilidade, serenidade e alegria. Meu Primo também teve essa experiência em sua casa e após dois anos recebemos o T.Angel para ter essa experiência que ele conhecera na Argentina. Foi a primeira vez que nós faríamos algo para outras pessoas, então buscamos um lugar especial aqui no interior e recebemos nosso convidado de braços abertos, tendo feito só contato por internet, nos conhecemos no mesmo dia, não cobramos nada e podemos dividir essa experiência com os outros agora. Nascia ai a possibilidade de facilitar experiências às pessoas. A experiência escrita pelo T.Angel, foi linda e fez com que outras pessoas procurassem pelo Spear Play. Realizei-o no Frrrkcon 0.001 (2008) e usando a estrutura do Kavadi, chamou à atenção de muitas pessoas sobre Kavadi e Spears.

Em maio de 2011, após a Virada Cultural, ofereci a experiência a Emilia Aratanha, que conheci na Virada e foi uma pessoa incrível nos atendendo durante o festival.
Oficializamos o grupo Swastihouse Rituals com base em 14 anos, tendo pessoas buscando experiências e ficamos felizes em ajudar no que podemos. Após a Emília, recebemos os artistas Filipe Espindola e Sara Panamby. E agora outras pessoas estão pra participar e as receberemos de braços abertos para o crescimento da nossa Familia Swastihouse.
A intenção do Swastihouse não é propagar, mas sim colaborar com as pessoas que tem interesse em  conhecer sobre essas práticas.

T. Angel: Receia o uso de lanças ou do Kavadi em si com fins não espirituais?
Peco: SIM, tudo isso é muito especial pra mim e tenho imenso respeito.Tenho sim esse receio, como a suspensão e o pulling atingiram outros aspectos… Tenho receio que isso possa acontecer. Sempre me perguntam sobre Kavadi dentro do Swastihouse e posso sim oferecer essa experiência. Como fiz em 2008 e daqui a alguns meses o farei de novo. Mas só quando estamos em total entendimento com os propósitos da pessoa.

T. Angel: Conte-nos como foi a experiência de realizar um Kavadi Walk no centro da cidade de São Paulo durante a Virada Cultural de 2011?
Peco: O convite partiu do querido Filipe Espindola, que conheço há 14 anos. E há anos queria muito poder dividir algo com ele. No começo tive receio, conversei com o Korn sobre isso e com alguns amigos Malaios, e ouvi que como eu conhecia isso há anos, muitas pessoas também poderiam conhecê-lo através de mim. E encarei isso com esse espírito, numa performance, pude conversar com pessoas que se aproximaram e foi muito bacana tê-las por perto, pois se tornaram queridos amigos.

T. Angel: Deixe uma mensagem aos nossos leitores e para aqueles que pretendempassar pela experiência das spears.
Peco: Muito obrigado por você respeitar e acreditar em mim há anos, e isso abriu as portas para que novas pessoas possam também conhecer e vivenciar novas experiências. Gostaria de pedir as pessoas que olhassem para a origem dos rituais, e dessem o devido carinho e respeito à tudo isso. Pois, quando se “empresta” costumes de outras culturas, deve-se respeitar e compreender da melhor forma possivel o significado e o mistério da prática. Caso contrário, ele pode facilmente cair na escuridao ou mau uso com conseguências indesejáveis ou degradaçao espiritual. Swastihouse sempre abre suas porteiras para receber aqueles que de coraçao abertos desejam vivenciar experiências e possibilitamos rituais estando de total harmonia com os propósitos das pessoas que se tornarão parte da nossa família Swastihouse.

Muruga Saranam

Alexandre Peco


Contatos
Swastihouse@gmail.com
Texto: http://www.murugan.org/bhaktas/peco.htm
Blog: http://murugabhaktar.blogspot.com/

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