Vereadora Atena denuncia violências e ataques sofridos por conta de suas modificações corporais

Na tarde de sábado, 18 de Janeiro, a vereadora Atena Roveda (PSOL) de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, utilizou suas redes sociais para falar dos ataques que vem recebendo ao longo desses últimos 18 dias, desde que ela assumiu sua vereança. Abaixo reproduzimos o seu texto:

“Hoje são 18 dias de intenso ataque nas redes. Desde que assumi, as redes sociais se tornaram esse esgoto existencial e emocional, pois o desequilíbrio criminoso de alguns comentários é para além de assustador, é impressionante. O que tenho percebido para além de eu ser uma travesti é: as tatuagens no rosto incomodam de uma maneira voraz quem é conservador ou quem julga pela aparência, nesse caso as tatuagens.
Parece tão anos 90′, mas não! estamos em 2025 e com todo potencial tecnológico, o potencial humano se perdeu no meio do caminho e estamos a catar pedaços. Eu estou registrando aqui, para mais de 27 mil pessoas que me seguem, que mesmo com todos esses ataques – ainda que virtual – afetam a mente, o coração, o corpo, e tenho sido resistência exatamente porque vocês todos que encontro nas ruas, nas mensagens no whats, nas respostas aos stories… vocês que me fortalecem essa luta. Estamos em plena batalha pelas nossas vidas, pelo nosso estilo de pensar de forma coletiva e viva, verdadeiramente viva.
Tenho tomado as medidas cabíveis em todos os casos, mas esses 18 dias me mostram o que esperaremos dos 4 anos de luta na câmara de vereadores. Só recordando que 10 anos atrás me nomeei Atena pela sua referência mitológica de ter nascida adulta com armadura e elmo da cabeça patriarcal e misógena de Zeus, o deus do Olimpo.
Esse destino, fui eu quem escolhi e sendo sempre carregada de dores, pesos e desafetos, os amores, abraços e cuidados me criam esperança e coragem. Medo? Sim. Mas esperança e coragem também.”

Nas imagens compartilhadas pela vereadora podemos ver comentários que a chamam de aberração, diabólica, bizarra e que atacam diretamente o seu rosto tatuado.

ADENDO: Entendem a importância e urgência de nos apropriarmos e ressignificarmos a palavra freak enquanto afirmação e instauração política das nossas estranhezas?

Em Outubro de 2024, quando soubemos que Atena havia sido eleita, escrevemos AQUI no FRRRKguys:

“Embora não tenhamos visto a categoria freak sendo utilizada pela vereadora, sabemos de sua proximidade com a nossa gente. Sabemos também do impacto que as modificações corporais têm em sua história e experiência no mundo. E, para nós, é importante olhar adiante e vê-la ocupando esse lugar, afirmando a vida de modo proposito e chamando por mais expansão da vida. Com a sua cabeça e rosto tatuado erguido, como tem que ser.”

Então é isso, temos um corpo dissidente ocupando uma posição que historicamente nos foi negada. É um corpo travesti e com modificações corporais não hegemônicas. Há um peso em ser e estar em um corpo assim na sociedade que temos e esse debate pouco tem acontecido – com seriedade e responsabilidade – fora das nossas pequenas bolhas. Precisamos perfurar as bolhas. Estourá-las.

Mas por que essa pauta está invisível na maior parte do tempo? Por que pouco espaço temos para falarmos – com comprometimento – sobre essas corporalidades dissidentes com suas especificidades e complexidades? Por que nas intersecções todas o corpo freak nunca aparece?

Podemos rabiscar algumas tentativas de hipóteses, sem querer simplificar um problema grande com respostas pequenas e simples… Mas, talvez pela super popularização que ocorreu com a tatuagem e piercing nos últimos anos, que nos passa a falsa sensação de que superamos esse “problema” e, na realidade, não. Talvez pela invisibilidade da pauta e discussões críticas sobre a comunidade da modificação corporal e, principalmente, o que vem sendo movido naquilo que chamamos enquanto comunidade freak. Talvez pela superficialidade que uma cultura milenar é encarada. Talvez porque não seja a bola da vez. Talvez… Talvez… Talvez…

O que não é um mero talvez e sim um dado concreto, é que esse tipo específico de ataque e discriminação geram impactos reais e prejuízos nas vidas das pessoas. Como colocado por Atena ao dizer que esses ataques afetam seu coração, mente e corpo.

O que precisamos deixar evidenciado aqui é que o ataque sofrido pela Atena não é caso isolado. Não podemos esquecer nunca de que em 2013 o Rodrigo Constantino colocou uma jovem freak para linchamento virtual. Qualquer pessoa freak e com modificações corporais não hegemônicas está sujeita a passar por isso em algum momento da vida. Gostaríamos inclusive de mencionar dois exemplos recentes:

  1. Junho de 2024. Quando da publicação de um vídeo pela T. Angel sobre o Dia do Orgulho Freak nas redes sociais, pontualmente no Facebook, os comentários foram em sua maioria de ataque e de ódio. Ironicamente nenhum comentário do público para quem o vídeo se dirigia, isto é, pessoas com modificações corporais e freaks, mas de pessoas aleatórias que disseminam gratuitamente o ódio. Em sua maioria associando a imagem da T. Angel com loucura e demônio. Patologização e demonização é o clichê.
  2. Dezembro de 2024. Quando da publicação do documentário Modificações: a identidade em jogo no Youtube da FMU TV, mais uma vez o fenômeno dos ataques gratuitos de patologização e demonização. Retornamos ao vídeo agora para fazer o print dos dizeres e aparentemente a moderação do canal deletou os discursos de ódio, mas estavam lá, nós vimos e inclusive respondemos alguns deles.
Print da página do FRRRKguys no Facebook.

ADENDO: A importância que têm as lutas antimanicomiais e contra o fundamentalismo religioso, hein?

O ponto é, precisamos mobilizar esse debate sobre pessoas freaks com mais força e com toda cautela, sabedoria e responsabilidade que isso pede. A visibilidade também é uma ameaça para nossa gente e cultura. E mais uma vez a urgência do chamamento para o fortalecimento da comunidade freak enquanto horizonte.

É muito importante trazer para essa conversa que o Grupo de Estudos Sobre Modificações Corporais – GESMC e o FRRRKguys – FG realizaram chamamento público para participação voluntária da Pesquisa sobre saúde mental entre pessoas com modificações corporais e freaks. A pesquisa ocorreu entre 11 de Novembro a 11 de Dezembro de 2024. Ao todo 79 pessoas participaram voluntariamente para colaborar com o estudo inédito. Os dados estão sendo analisados e estudados cuidadosamente, recentemente divulgamos alguns deles em nossa página no Instagram.

Queremos aqui destacar um dado que é preocupante e alarmante e se relaciona diretamente com essa reflexão toda, isto é, 81% das pessoas freaks que responderam a pesquisa disseram que já tiveram ou têm ideação suicida, enquanto 51% disseram que já atentaram contra a própria vida.

Mais uma vez, sem respostas simplistas para questões profundamente complexas, porém, temos que considerar que esse processo de desumanização que passamos – e que não escutam ou que menosprezam – geram impactos no modo que vamos nos relacionar com o mundo. A denúncia da Atena não é caso isolado, importante repetir.

Precisamos nos fortalecer e nos proteger mutuamente, freaks. Ninguém lá fora se importa. Não façamos ou sejamos iguais. E nessa recusa, afirmar ainda mais as nossas diferenças, dissidências e expandir a vida com qualidade, potência, suavidade e cadência. E com a coragem e a esperança de que Atena nos aponta. Inclusive, precisamos de mais histórias como a de Atena para as próximas gerações. De que, apesar de tudo, a vida é possível e que gostem ou não, Porto Alegre elegeu uma vereadora travesti e freak em 2024. Isso é história e nada mais apaga.

Toda a nossa solidariedade e amor para Atena. Sabemos exatamente onde esse tipo de ataque afeta e como nos pega. Mas nós existimos e temos a malícia de fazer a dobra com o molejo que só nós conhecemos de outros tempos e movimentos de outros saberes e sabores. Estamos vivas e chamando por mais vida, para desespero deles. Força, ternura e potência sempre. Estamos com você!