(Esta operação ocorre em Java, onde os pais orgulhosos têm seus narizes cortados para que os anéis de casca de tartaruga possam ser inserido como um sinal de que a criança tenha nascido.)
Durante a minha jornada no campo da modificação corporal – como entusiasta e pesquisador – fui coletando informações muito preciosas e que sinto que aos poucos vou compartilhando. No texto A modificação corporal no Brasil – 1980-1990 é possível encontrar partes das minhas pesquisas e que são somadas das minhas publicações por aqui. Para quem acompanha o que escrevo, deve ter percebido que defendo a ideia de que a modificação corporal seja um legado e, principalmente, um valioso patrimônio cultural humano, ainda que efêmero. Em outras palavras, acredito que o ato de modificar o corpo seja um fenômeno social, estético, político, espiritual, artístico, histórico dos seres humanos em diferentes tempos e espaços.
O ser humano no decorrer de sua história interfere em seu corpo de diversas maneiras e acompanhado intrinsecamente de múltiplas justificativas. Seja como rito de passagem, como forma de expressar sua religião, penitência para purificação da alma, punição, privação, como forma de se expressar artisticamente, sexualmente ou por motivos puramente estéticos. Entenda que o “puramente estético” não é de modo algum no sentido de invalidar ou desqualificar a prática nesse âmbito, é apenas para reforçar a diversidade de possibilidades e motivações. O que é preciso ficar claro é que na história humana, o corpo sempre sofreu alguma espécie de manipulação. Seja de forma consciente ou inconsciente, voluntária ou involuntária, e ainda, pela alimentação, pelo cotidiano, pelos paradigmas estéticos, podemos afirmar que todo corpo é de uma forma ou de outra “mexido”: alterado, mudado, modificado, transformado.
Ao estudar as práticas de se modificar o corpo é importante se atentar para as heranças culturais que rondam este campo, para não sair reproduzindo o discurso leviano que tudo é novo e que, tão logo, seja desprovido de valor. É importante perceber os rastros das práticas de modificações do corpo de povos e populações de séculos passados, em relação com as do nosso tempo. Se atentar é perceber que essas práticas nunca deixaram de existir, pensando especificamente no Brasil, a gente tem um exemplo muito claro através das populações indígenas. Com isso é possível afirmar que a herança é evidente, apesar de muitas vezes inconsciente pela massa da população.
Quanto ao retorno das práticas de se modificar o corpo no Brasil, é possível afirmar que não houve retorno, uma vez que – como dissemos anteriormente – elas nunca se ausentaram por completo. Por exemplo, a tatuagem, a escarificação e o piercing sempre estiveram presentes na prática cultural e social brasileira, antes mesmo da invasão e colonização.
Obviamente que o significado das modificações corporais foram sofrendo as alterações temporais e espaciais, mas nunca se silenciaram ou se ausentaram integralmente. Essas práticas resistiram e sobreviveram, ainda que o seu histórico mostre várias tentativas de silenciamento, exclusão, censura, controle e extermínio. Falar sobre modificação corporal é também falar sobre resistência.
Essa introdução é para dizer que escreveremos por aqui sobre populações ao redor do globo que tiveram ou ainda têm as modificações corporais como parte de suas culturas. No momento compartilharemos imagens diversas encontradas em sites de pesquisas e que provavelmente foram retiradas de periódicos, revistas, livros e artigos. Ainda que careçam de suas fontes originais, elas vão servir nesse momento como introdução. Em breve voltaremos a falar dessas populações.