A polícia militar, a tatuagem de palhaço e a tortura

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Sem Título-2(Foto: reprodução / Facebook)

“A Polícia Militar, sua concepção e prática, é obra da ditadura militar brasileira. Ainda hoje é possível encontrar semelhanças, seja na truculência, na tortura, no assassinato ou na ocultação de cadáveres, como no caso Amarildo. A atuação da PM em protestos ou greves também deixa clara a urgência da pauta”
Thiago Pará, diretor de políticas educacionais da UNE

No ano passado denunciamos dois casos de tortura da polícia militar contra jovens com tatuagens consideradas criminosas e/ou suspeitas (quando você é pobre e negro e da periferia, principalmente), a exemplo, o palhaço. O primeiro em maio, apresentava o caso de um jovem negro sendo torturado cruelmente e aconteceu em Alagoas e você pode CLICAR AQUI para reler.  O segundo caso em agosto, apresentava o caso de outro jovem em sessão de tortura e você pode CLICAR AQUI para reler. Esse ano, mais um caso de tortura surge e circula nas redes sociais. Nos três casos a tortura, a documentação em vídeo e a divulgação foram feitas pelos próprios policiais, como quem exibe louros sujos de sangue para psicopatas famintos.

Nos três casos ninguém sabe o paradeiro desses jovens e talvez eles tenham virado estatísticas. Quando foi que deixamos de ser gente e nos tornamos meras estatísticas e procedimentos?

O CASO

22ewrqefwz_5yc1wko2ao_file(Foto: reprodução)

“Chore, não. O palhaço agora está ganhando cor. A gente agora está só dando cor para o seu palhaço.”
Policial torturador

No vídeo que circula nas redes sociais, temos um jovem sendo torturado, segundo os jornais, por polícias militares do Ceará. As cores da divisa, em preto e dourado, o formato do brasão, composto aparentemente de um retângulo sobre um semicírculo, além dos tons do uniforme, camisa clara e calça escura, são semelhantes aos utilizados pela Polícia Militar do Estado do Ceará. Questionado a respeito do vídeo na noite de segunda-feira (5), o tenente-coronel Andrade Mendonça, responsável pelo setor de Comunicação Social da Polícia Militar do Ceará, afirmou ter conhecimento das imagens. Apesar do uniforme semelhante, ele disse que não há elementos suficientes para indicar que o caso tenha ocorrido no Estado. Completou dizendo que:

“O uniforme pode ser de corporações de outros Estados. É um vídeo anônimo que chegou para nós. Analisamos as imagens, mas não tivemos elementos suficientes para abrir um procedimento apuratório.”

O vídeo feito pelos próprios autores da tortura, mostra um policial torturador raspando as costas tatuadas de um jovem utilizando um facão. Sendo coagido, ameaçado e violentado o jovem chora e a sessão de tortura não tem fim e é intensificada por fortes chutes na região das costelas por outro policial torturador que calça um coturno.

 

CASO NOVO, CAUSA VELHA
O novo caso de tortura gira a roda de uma velha causa, que é sobretudo,  racista. Causa velha que nos coloca e a alimenta a ideia falaciosa de que o jovem negro e pobre é o vilão de nossas histórias.  Veja bem, segundo o SUS (Sistema Único de Saúde) mais da metade das vítimas de homicídios no Brasil são jovens e mais de 70% são negros.

Pesquisas mostram que em 2013 a polícia militar matou por dia uma média de seis pessoas. Intimamente relacionado com esses dados, estão as práticas de torturas, como exemplo, as que delatamos nos três casos. Somos invadidos por um horror ao imaginar os casos em que não são registrados e/ou divulgados. Horror que não é só nosso, segundo pesquisa de 2014 da ONG Anistia Internacional, 80% dos brasileiros não se sentem seguros ao serem detidos pela polícia. O maior índice dos 21 países pesquisados.

Ao que nos parece, a tatuagem é apenas um pretexto que tenta, sem legitimidade alguma, justificar uma violência corporativa e institucionalizada que é brutal e desumana. Na falta da tatuagem possivelmente teríamos o boné? Na falta da tatuagem e o boné, a camiseta? Na falta da tatuagem, boné e camiseta quem sabe o cabelo raspado ou grande seria suspeito demais. E quando não tiver nem tatuagem e nem roupa, a carne negra?

“A finalidade do terror é o terror. O objetivo da opressão, a opressão. A finalidade da tortura é a tortura. O objetivo da morte é a morte. A finalidade do poder é o poder. Você está começando a me entender?”
(1984, George Orwell)

DESMILITARIZAR

“Há alguns anos, em um relato sobre o julgamento de Eichmann em Jerusalém, mencionei a ‘banalidade do mal ‘. Por mais monstruosos que fossem os atos, o agente não era nem monstruoso nem demoníaco; a única característica específica que se podia detectar em seu passado, bem como em seu comportamento durante o julgamento e o inquérito policial que o precedeu , afigurava-se como algo totalmente negativo: não se tratava de estupidez, mas de uma curiosa e bastante autêntica incapacidade de pensar.”
(Hannah Arendt – De uma conferência em 1970)

É forte a discussão sobre a desmilitarização da polícia militar e uma proposta de contribuição possível seria a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 51/2013, do senador Lindbergh Farias (PT-RJ). “O projeto [PEC 51/2013] avança na perspectiva de unificação das carreiras civil e militar das polícias, na desmilitarização, na mudança nos currículos das escolas militares, construção de ouvidorias, entre outros pontos. É uma mudança positiva e certamente contribuirá para tornar nossa segurança pública mais humana“, afirma Thiago Pará da UNE (União Nacional dos Estudantes).

O filósofo Edson Teles, lembra sobre a polícia que:

“Sua organização e disciplina, subordinadas ao regimento militar do Exército, são regidas pelas mesmas regras impostas pela Constituição outorgada pela ditadura em 1969.”

E completa dizendo:

“Com a mudança de regime de exceção para a democracia, não houve revisão ou reforma das instituições ligadas à segurança nacional e pública, as quais mantiveram uma ideologia agressiva contra a população não proprietária, garantindo a impunidade às violências praticadas por seus agentes.”

A UNE apoia publicamente a mobilização e a pressão popular pelas mudanças na estrutura da PM no Brasil. É bastante claro que o caminho não será nada fácil, mas é preciso ter em mente que 73,7% dos policiais brasileiros apoiam a desmilitarização, índice que alcança 76% entre PMs. A pesquisa que nos traz esse dado ouviu mais de 20 mil policiais no país.

A história de Darlan Abrantes, 40 anos, revela como o formato de organização da PM está ultrapassado. Soldado da PM do Ceará – a mesma em que aparentemente o novo caso de tortura se aplica – por 13 anos, ele foi expulso da corporação em janeiro do ano passado por divulgar seu livro “Militarismo: um Sistema Arcaico de Segurança Pública” na Academia de Segurança Pública do Estado.

Ainda, o próprio relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), divulgado no ano passado, recomendou a desmilitarização, tendência que a comissão descreve como herança da ditadura. “Essa anomalia vem perdurando, fazendo com que não só não haja a unificação das forças de segurança estaduais, mas que parte delas ainda funcione a partir desses atributos militares, incompatíveis com o exercício da segurança pública no Estado democrático de direito, cujo foco deve ser o atendimento ao cidadão”, diz o texto.

É preciso mudar. Não é possível que não tenhamos aprendido nada com as mazelas dos porões de tortura da ditadura civil e militar. Somos pontualmente contra a tortura e apoiamos a desmilitarização, para que quem sabe, casos assim sejam parte de um vergonhoso passado que tivemos.

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