Doação de sangue e modificações corporais

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Foto: reprodução / Diário de Biologia

Muitas pessoas da comunidade da modificação têm a intenção de doar sangue em algum momento de suas vidas, o que é muito bom. Algumas delas já o fazem esporadicamente, o que é ainda melhor. Mas se você tem modificações corporais e pretende doar sangue, existem algumas informações que você precisa saber. Se você trabalha fazendo modificações corporais, essas informações também são importantes para possíveis conversas com clientes. 

Segundo as Normas Nacionais (Portaria Nº 2.712, de 12 de Novembro de 2013) para doação de sangue no Brasil, caso uma pessoa faça uma tatuagem ou body piercing ela entra no grupo de inaptidão temporária para doação de sangue e deverá aguardar doze meses para que possa doar. O Art. 64 diz que:

Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo:

VII – que tenha feito “piercing”, tatuagem ou maquiagem definitiva, sem condições de avaliação quanto à segurança do procedimento realizado;”

A situação fica um pouco mais delicada caso o body piercing tenha sido aplicado na região oral e/ou genital. Nesses casos, a pessoa entra no grupo de inaptidão definitiva, podendo ser revisto nos casos em que houveram a retirada do adorno no prazo mínimo de doze meses. Como vemos no artigo Art. 62., que diz que:

“Em situações de risco acrescido vivenciadas pelos candidatos, considerarse-á inapto definitivo o candidato que apresente qualquer uma das situações abaixo:

III – possuir “piercing” na cavidade oral e/ou na região genital, devido ao risco permanente de infecção, podendo candidatar-se a nova doação 12 (doze) meses após a retirada;”

Assim, a tatuagem e o body piercing estão na lista das principais causas de inaptidão temporária para doação de sangue. Embora o manual de normas não mencione outras técnicas de modificação corporal, a exemplo da escarificação, implantes sub e transdermais, eyeball tattooing (pigmentação do globo ocular) e tongue splitting (bifurcação da língua),  podemos nos espelhar nas normas para outros procedimentos invasivos, por exemplo, no grupo de inaptidão temporária também estão na lista as cirurgia plásticas com anestesia local, nesses casos três meses de inaptidão. 

A base dessa decisão está amparada na ideia de que alguns estúdios e profissionais ainda reutilizem materiais que são descartáveis, o que potencializa os riscos de contaminação do sangue. A força com que essa proposição circula nos mostra que é preciso estreitar os diálogos entre as áreas, considerando todas as mudanças que as áreas da tatuagem e do piercing passaram ao longo dos anos. Não só no sentido profissionalizante, mas também nos campos tecnológicos, das legislações e normas nacionais. 

Em paralelo, o manual de Normas Nacionais tem sido alvo de críticas, principalmente pelo seu caráter discriminatório contra homens homossexuais. Para essa população é pedido abstenção do sexo por no mínimo doze meses. O Ministério da Saúde considera que os candidatos à doação que admitirem transar com homens são “temporariamente inaptos”, porque têm mais chances de terem uma doença infecciosa e de seus exames apresentarem resultados negativos, mesmo sendo portadores de algum vírus.

Em 18 de Maio de 2016 a Revista Superinteressante fez uma matéria sobre o assunto, nela, a jurista Adriana Galvão, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e Combate à Homofobia da OAB de São Paulo, afirma que a exclusão que acontece no dia a dia dos bancos de sangue com homens gays é inconstitucional e não tem critérios objetivos. “Se ficar provado que o sangue é infectado, é uma questão óbvia, lógica. Mas se um homem chegar e contar que é gay, isso o exclui sem critério lógico algum. Restringir o direito da pessoa sem nem testar o sangue, é partir do pressuposto que seu sangue é doente.

O deputado Jean Wyllys (PSOL), afirma na matéria acima citada, que a Portaria se contradiz ao incluir entre as restrições para doar sangue a ocorrência de sexo entre homens ao mesmo tempo em que proíbe a discriminação por orientação sexual. Segundo ele, a regra é preconceituosa com os homossexuais e precisa ser revista imediatamente pelo Executivo. “Os argumentos técnicos são ultrapassados, baseados na tese de que os homossexuais são os únicos classificados como população-chave. Muitos heterossexuais têm comportamento de risco e nem por isso são barrados na hora da doação.”

Art. 64. Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo:

IV – homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes”.

No entanto, logo em seu segundo artigo, apresenta parágrafo que estabelece o oposto:

Art. 2º, § 3º Os serviços de hemoterapia promoverão a melhoria da atenção e acolhimento aos candidatos à doação, realizando a triagem clínica com vistas à segurança do receptor, porém com isenção de manifestações de juízo de valor, preconceito e discriminação por orientação sexual, identidade de gênero, hábitos de vida, atividade profissional, condição socioeconômica, cor ou etnia, dentre outras, sem prejuízo à segurança do receptor.”

Apesar da pressão da sociedade, o Ministério da Saúde não reviu até o momento o seu posicionamento, que segue afirmando que restringir por doze meses a doação de homens que fazem sexo com homens é a “precaução mais eficaz e segura a ser adotada pelos serviços de hemoterapia no Brasil, reduzindo o risco de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis por via transfusional”. O mesmo acontece em relação a tatuagem e o body piercing. Enquanto isso os bancos de sangue ao redor do Brasil padecem, menos pela falta da intenção da população em colaborar e mais pela ignorância abissal de quem não houve as vozes que precisam ser ouvidas.

Ainda que tenhamos esse cenário hoje, é muito importante que sigamos doando ou tentando doar nosso sangue para os hemocentros. Junto com isso é preciso um envolvimento nosso em conjunto com os movimentos sociais para acompanharmos as reivindicações de alterações no manual elaborado pelo Ministério da Saúde. Envolva-se, doe sangue!

PRINCIPAIS CAUSAS DE INAPTIDÃO TEMPORÁRIA PARA A DOAÇÃO DE SANGUE
“Piercing”, tatuagem ou maquiagem definitiva  – 6 meses após realização; 12 (doze) meses se não houver condição de avaliação da segurança do procedimento realizado; se na cavidade oral e/ou na região genital, devido ao risco permanente de infecção, a inaptidão é 12 (doze) meses da retirada

Quadro publicado na Revista Superinteressante em 18 de Maio de 2016.

 

FONTES:
Portaria Nº 2.712, de 12 de Novembro de 2013
http://weboffice.macronetwork.com.br/uploads/pro_sangue//arquivos/Portaria%202712%2012-11-2013%20(sera%20substituida%20pela%20158).pdf

Brasil desperdiça 18 milhões de litro de sangue ao ano por preconceito.
http://super.abril.com.br/saude/brasil-desperdica-18-milhoes-de-litros-de-sangue-ao-ano-por-preconceito/

Homossexuais não podem doar sangue no Brasil?
https://pragmatismo.jusbrasil.com.br/noticias/129525650/homossexuais-nao-podem-doar-sangue-no-brasil

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