“Primeira vez que eu vejo o alvo ir de encontro à flecha
Fecha a porta e ora pra no chão não ser seu filho
Se Jesus voltasse, cês matava ele de novo
E chamavam de comunista por pensar demais no povo”
Primavera Fascista, 2018
“Desde o início por ouro e prata
Olha quem morre, então veja você quem mata
Recebe o mérito, a farda que pratica o mal
Me ver pobre, preso ou morto já é cultural”
Racionais MCs, 2002.
Certo, o Bolsonaro (1955-) perdeu a eleição, embora as suas e os seus fiéis não aceitem: perdeu. Todavia, a ideologia que o levou do palco do Super Pop – como uma figura perversa que falava muita bobagem carregada de discurso de ódio – para cadeira de presidente – como uma figura perversa que falava e fazia muita bobagem carregada de discurso de ódio e necropoder – não está morta, ao contrário, fortificada, fomentada e incentivada por ele, cresceu e segue por aí. “A cadela do fascismo está sempre no cio”, já dizia Bertolt Brecht (1898-1956).
Bolsonaro perdeu mas o bolsonarismo enquanto uma ideologia está viva e forte, maquiada de muitas maneiras, com muitas caras e formas: sedenta. Muitas caras, inclusive tatuada, com piercing, olhos pigmentados, língua bipartida e implantes.
E nós, que sobrevivemos aos últimos 4 anos, temos agora um país devastado pela miséria, fome, negacionismo, ódio e fundamentalismo religioso para – buscar – reconstruir. Precisamos desnazificar o Brasil e, para que isso aconteça, precisaremos enfrentar o fundamentalismo religioso, responsável direto pela negação de direitos humanos básicos de minorias e dissidências, o que abarca também nós: freaks. Então, essa é uma pauta essencial para nossa gente e precisa estar presente em tudo que façamos: nas rodas de conversa, nas marchas, nos estúdios, nos workshops, nas casas e nas mesas de boteco. E para freaks ligades com o cristianismo, precisa estar sendo conversado entre vocês, inclusive, em suas igrejas.
Um dos braços importantes na construção e sustentação do bolsonarismo foi e tem sido o fundamentalismo religioso, o que algumas pessoas têm chamado de cristofascismo, conceito criado na década de 70 do século passado pela teóloga alemã Dorothee Sölle (1929-2003) e trata justamente desses segmentos de igrejas que flertam com o autoritarismo e o imperialismo.
No Brasil bolsonarista, o conceito voltou a circular com força, sobretudo por meio do trabalho Pandemia Cristofascista (2020) do professor doutor Fábio Py da Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF.
Para quem achar que é exagero a aproximação entre o fundamentalismo religioso cristão e o fascismo, importante lembrar que o repetido lema bolsonarista “Deus, pátria e família” era slogan dos integralistas brasileiros, maior movimento de extrema-direita do Brasil iniciado em 1930, que se inspirava em Benito Mussolini (1883-1945), líder do regime fascista italiano. O slogan do governo bolsonarista “Brasil acima de tudo! Deus acima de todos!” tinha ali uma “semelhança” com o “Alemanha acima de tudo!” de Adolf Hitler (1889-1945), líder do regime nazista. Semelhança, coincidência…
Aquelas tantas semelhanças e coincidências que a gente cansou de ver – nos últimos quatro anos – no maior estilo político do dog whistler. Foi assim com o ex-secretário especial da cultura, Roberto Alvim (1973-), em discurso institucional utilizando elementos comuns dos que eram feitos por Joseph Goebbels (1897-1945), propagandista nazista; o copo de leite presente nas lives do Bolsonaro e seus aliados, que é um símbolo utilizado por supremacistas brancos; e com Filipe Martins (1987-), que na ocasião era assessor do Bolsonaro, o “ok” com a mão que forma um “W” e um “P”de white power, outro símbolo utilizado entre supremacistas brancos. As repetidas coincidências… É.
E os ataques terroristas em Brasília em 08 de Janeiro. Orquestrados também por igrejas, pastores e pastoras fundamentalistas religiosas, com a organização de caravanas, com investimento de dinheiro e com a constante lavagem cerebral em fiéis. É preciso também considerar como mais uma camada – da mesma ideologia – dessa articulação entre fundamentalismo religioso e fascismo.
Mas como dissemos, o fundamentalismo religioso tem muitas caras e uma delas é a descolada, supostamente moderna e que se pretende nova, mas ali – no fascismo – o novo já nasceu velho no ovo da serpente. Com o que há de pior do passado. Temos então essas igrejas supostamente “diferentonas” – alinhadas com o fundamentalismo religioso e o fascismo – com seus pastores e pastoras tatuadas, braços fechados com tattoo, com piercings e cabelos coloridos. Usam a ideia da representatividade, do “somos como vocês”, do “aqui todo mundo é aceito”, que para nós não agrega absolutamente nada, não colabora em definitivamente nada e é apenas uma grande ameaça. Em uma mão seguram a bíblia e no outro a arma (no sentido figurado e no literal). Essas mãos estão sujas de sangue. Nós, enquanto pessoas freaks, não podemos estar confortáveis em ser associades com essas pessoas perversas. Essas pessoas não sentam em nossa mesa.
Além das igrejas, enquanto instituições, temos também influencers fundamentalistas religiosos, com seus corpos modificados, atraindo fieis. Colaborando com a colonização de corpos, corpas, subjetividades, mentes. Falam em salvação mas apoiam políticas e políticos da morte: genocidas. Falam em céu e fazem da vida – da nossa vida – um inferno. E nós sabemos bem quem vocês são.
Uma dessas instituições, muito famosa, super popular e espalhada pelo país, esteve alinhada o tempo todo com o bolsonarismo, apoiando o ex-secretário da cultura e investindo muito dinheiro na última eleição. Segundo a imprensa, o maior investimento em dinheiro no segundo turno, tanto para Bolsonaro para o Governo Federal (3 milhões), quanto para o Tarcísio para o Governo Estado de São Paulo (2 milhões). É uma grande bola de neve esse problema. Como é…
De onde vem esse dinheiro? Quem paga por isso? Por que pagar pra isso? Quais os interesses por trás dessa movimentação de milhões de reais? São perguntas que precisamos fazer, com a consciência de que religião se discute sim e, igualmente, precisamos discutir política.
Então, para nós freaks, daqui em diante é prestar muita atenção nessas representatividades esvaziadas, elas são armadilhas, elas matam ou investem muito dinheiro para que continuemos morrendo. Destruam o mito de que pessoas modificadas são desconstruídas e progressistas. Eliminem a ideia de que todas as pessoas modificadas oferecem algum tipo de segurança para nós. Muitas delas não conseguiram sair da superficialidade da carne, do próprio umbigo e na crença de uma superioridade moral e de valores, que fazem com que pessoas como nós – freaks – estejam em ameaça real e constante.
É preciso olhar para essas instituições e pessoas com cuidado e com bastante criticidade. Tudo é reeducável, exceto o fascismo e o Estado autoritário, estes precisam ser combatidos. Mano Criolo, as pessoas não estão perdidas, elas são realmente más e se a gente vacilar, as balas perdidas nos encontram e a vala nos abraça.
Sigamos conversando sobre tudo isso. Esse é um problema nosso também: discutamos sobre política, discutamos sobre religião e, que possamos escapar das ciladas e armadilhas da representatividade esvaziada e que, pelas encruzilhadas, possamos avançar.
REFERÊNCIAS
“Brasil acima de tudo”: Slogan de Bolsonaro faz referência ao da Alemanha nazista
https://revistaforum.com.br/politica/2018/10/9/brasil-acima-de-tudo-slogan-de-bolsonaro-faz-referncia-ao-da-alemanha-nazista-35057.html
Pandemia Cristofascista
https://www.researchgate.net/publication/344234503_Pandemia_cristofascista
Na igreja Bola de Neve, Profeta Kevin previu que Roberto Alvim comandaria a Nação
https://jornalistaslivres.org/na-igreja-bola-de-neve-profeta-kevin-previu-que-roberto-alvim-comandaria-a-nacao/
Advogado e pastor evangélico de BH lidera doações a Bolsonaro e Tarcísio https://veja.abril.com.br/coluna/radar/advogado-e-pastor-evangelico-de-bh-lidera-doacoes-a-bolsonaro-e-tarcisio/
A face religiosa do terrorismo: pastores articularam caravanas e convocaram ataques em BSB
https://apublica.org/2023/01/a-face-religiosa-do-terrorismo-pastores-articularam-caravanas-e-convocaram-ataques-em-bsb/
1 thoughts on “O novo que nasceu velho: líderes religiosos com modificações corporais que flertam com o fascismo”
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