Ocupar, interseccionar e abrir espaços…

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Recebi o convite do Grupo de Estudos de Piercing – GEP para participar do Piercing Talk que acontecerá em Outubro na Tattoo Week de São Paulo, conforme divulgado AQUI no FRRRKguys. Enviei a minha proposta de atividade e que foi prontamente aceita. E é sobre isso que gostaria de falar e mais do que isso, deixar registrado enquanto documento histórico.

O que significa estar dentro da maior convenção de tatuagem do mundo falando sobre diversidade sexual e de gênero no Brasil de 2019? Não quero responder a essa pergunta agora, mas gostaria de te convidar para que reflita sobre ela, sendo você LGBTQIA+ ou não.

A atividade que propus foi intitulada como Atendimento do público LGBTQ+ em espaços que ofereçam serviço de body piercing e que, muito obviamente, pode ser ampliado para todo e qualquer espaço que ofereça serviços diversos de modificações corporais.

A premissa dessa minha proposição é a ideia de que vivemos em um dos países mais perigosos e letais para as pessoas LGBTQIA+ e, dentro dessa estrutura violenta, nem a comunidade da modificação corporal conseguiu se marcar enquanto espaço seguro. Justamente porque a comunidade da modificação corporal não está descolada da sociedade.

Assim, a comunidade da modificação corporal não apenas tem sido um lugar inseguro para população LGBTQIA+ como visivelmente está despreparada para atendê-la respeitando as dignidades humanas dos grupos que compõem a sigla. E é importante entender que cada grupo tem suas especificidades.

Além do despreparo, os casos de homofobia, lesbofobia e transfobia são incontáveis e no episódio 4 da temporada 2 de Sauntering é possível entrar em contato com a problemática. Importante marcar ainda que nada disso que estou problematizando agora é um fenômeno novo. Na dissertação de mestrado, Além da Pele, de Camilo Braz produzida em 2006, já tivemos pontuações sobre essa questão.

Reconhecer que temos um problema é o primeiro passo para que possamos corrigir e melhorar individual e coletivamente. Reconhecer que não sabemos algo é o primeiro passo para que possamos aprender. É assim que tem funcionado com diferentes pessoas e instituições, buscando capacitar seus profissionais para atender com dignidade e respeito a população LGBTQIA+, porque historicamente, enquanto sociedade, falhamos miseravelmente nisso. E é verdade que seguimos falhando, as falácias do “kit gay” (sic) e “ideologia de gênero” (sic) são exemplos claros dessas insistências nos erros.

Eu tenho trabalhado todos os dias da minha vida – para além do FRRRKguys – em tentar reparar as feridas que esses erros têm causado na população LGBTQIA+. Inclusive, buscado lamber e curar as minhas próprias feridas, que infelizmente seguem surgindo não importa o quão empoderada e preparada eu esteja para resistir e enfrentar o sistema como se configura hoje. Que nunca foi fácil, mas que na conjuntura atual tem sido ainda mais difícil.

Pra mim, particularmente, e agora eu respondo a pergunta que fiz lá em cima, estar dentro da maior convenção de tatuagem falando sobre diversidade sexual e de gênero é tentar, na insistência e resistência, construir uma comunidade da modificação corporal verdadeiramente plural e segura para todos os corpos. E fazer isso no Brasil de 2019 tem um peso ainda mais significativo, considerando o atual governo que temos e as práticas de censura explícita e perseguição pornográfica relacionadas diretamente com a comunidade LGBTQIA+.

Escrever sobre tudo isso é um exercício de sublinhar repetidamente o meu desejo de vida para mim e para as pessoas das minhas comunidades: a LGBTQIA+ e a Freak. Só dizer que é algo importante me parece pouco e, confesso que todas essas palavras ainda não conseguem preencher o sentimento que tenho no peito.

Para além da minha fala sobre diversidade sexual e de gênero, o Piercing Talk terá um programa inteiro importante e interessante para quem trabalha com o body piercing. A atividade não é gratuita, tem o valor de R$200,00. Sei também que no Brasil de 2019 os R$200,00 fazem muita diferença na vida de muitas pessoas. Entendam, por favor, que serão mais de 6 profissionais de diferentes áreas trabalhando para que a atividade aconteça da melhor maneira possível e isso gera custo, algumas pessoas inclusive não são de São Paulo. No mais, se as pessoas estarão trabalhando é justo que elas recebam por isso.

Eu na grande maioria das vezes participo e ofereço o meu trabalho gratuitamente em diferentes eventos. Principalmente aqueles relacionados com a questão da modificação corporal. Falo isso, menos para me justificar por estar recebendo pelo meu trabalho e mais para abrir novas possibilidades de encontro. A questão da diversidade sexual e de gênero interseccionada com as questões freaks, de classe e raça são muito importantes pra mim e estou sempre muito aberta para fortalecer esses espaços e ações. Se, por desventura, você não possa estar nesse evento, seja pelo motivo que for, vamos articular outras possibilidades, vamos construindo diálogos. Ainda que seja uma conversa entre 2 ou 3 pessoas. Eu acredito muito no poder da micropolítica e na força das microações.

Por fim, será um prazer enorme estar participando dessa atividade, por tudo que ela representa. E, na atual conjuntura, para mim é uma questão central de luta pela sobrevivência. Talvez por isso as palavras não são suficientes para expressar o nível de importância que tudo isso representa.

Toda vez que me ver, sentada ou de pé, falando sobre modificação corporal, diversidade sexual e de gênero, eu espero que você seja capaz de enxergar uma pessoa que cansou de ter a dignidade humana negada e que está lutando pela sobrevivência. Uma das formas que escolhi para duelar contra o sistema violento e desumanizador que temos foi essa.

Vejo vocês.

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