Em Dezembro do ano passado publicamos uma matéria sobre tatuagem e sexualidade, cujo título era Bicha e Tatuador: conversas que precisamos ter. Nela recebemos um comentário de uma pessoa que tem vitiligo e que quer ter seu corpo tatuado. Ele nos contou que pretendia tatuar a área despigmentada e queria saber basicamente se ficava bom o resultado final. Como não tínhamos muitas informações no momento, fomos pesquisar. Então dividiremos essa matéria em duas, sendo a primeira parte uma conversa com profissionais da tatuagem e pessoas com vitiligo que são tatuadas e a segunda parte, pretendemos conversar com alguém especialista na área da dermatologia. A ideia inicial era lançar as duas ao mesmo tempo, no entanto, não conseguimos resposta da dermatologista que entramos em contato. Inclusive, se você é um profissional da área e puder responder algumas pequenas perguntas sobre o assunto tatuagem e vitiligo, por favor, deixe um comentário na matéria ou nos escreva por e-mail. Ajude-nos a construir mais materiais informativos e educativos sobre o assunto.
Adiantamos que embora não tenhamos conversado com um ou uma dermatologista, há de se dizer fizemos uma pequena pesquisa e estudamos algumas opiniões de dermatologista, que de modo geral recomendam que não se tatue sobre o vitiligo, como explicaremos adiante. A Academia Americana de Dermatologia (AAD), num artigo sobre a matéria publicado no seu site oficial (https://www.aad.org/), desaconselha os portadores de vitiligo a fazerem tatuagens, devido ao fenômeno de Köebner. O programa Bem Estar (Rede Globo de Televisão) do dia 04 de Agosto de 2016 abordou a temática com o Dr. Gabriel Gontijo que não recomenda a tatuagem nesses casos por conta do risco de trauma e aumento do vitiligo. O mesmo programa, no dia 15 de Março de 2016, recebeu o cirurgião oncológico João Pedreira Duprat Neto que alertou que o vitiligo piora com processos inflamatórios, e afirma que a tatuagem sobre o vitiligo gera aumento e por isso não se deve tatuar sobre a área. Por fim, o Dr. João Marcelo Sousa em entrevista para o site Vitiligo Tem Cura é taxativo e afirma que “pessoas com vitiligo jamais devem realizar tatuagens na pele“.
O que é vitiligo?
Vitiligo é uma doença não-contagiosa em que ocorre a perda da pigmentação natural da pele. A doença pode surgir em qualquer idade, sendo mais comum em duas faixas etárias: 10 a 15 anos e 20 a 40 anos. Contudo, estresse físico, emocional, e ansiedade são fatores comuns no desencadeamento ou agravamento da doença. Essa despigmentação ocorre geralmente em forma de manchas brancas (hipocromia) de diversos tamanhos e com destruição focal ou difusa. Pode ocorrer em qualquer segmento da pele, inclusive na retina (olhos). Os locais mais comuns são a face, mãos e genitais. Os pelos localizados nas manchas de vitiligo se tornam esbranquiçados. O local atingido fica bastante sensível ao sol, podendo ocorrer sérias queimaduras caso exposto ao sol sem protetor, conferindo um risco para o desenvolvimento de câncer de pele.
O que é o Fenômeno de Koebner?
O fenômeno de Koebner é também chamado de resposta isomórfica. Se trata de um trauma em região de pele sã que desencadeia, nesta, o surgimento de lesões do mesmo tipo das encontradas em outro local do corpo, nos portadores de doenças como psoríase, vitiligo e líquen plano. Foi assim chamado por ter sido caracterizado por Heinrich Koebner, renomado dermatologista alemão, em 1872. Este observou o surgimento de lesões de psoríase em local de escoriações devido a coçadura, tatuagens e mordidas de animais.
As perguntas que lançamos para profissionais da tatuagem e pessoas com vitiligo tatuadas foram: pessoas com vitiligo podem tatuar a área que passou por despigmentação? Alguém já tatuou essa área? Quais os riscos? Quais os cuidados?
Algumas das respostas que obtivemos de profissionais da tatuagem foram:
“Já tatuei várias vezes, mas o vitiligo estava estável. A pessoa fez tratamento e as manchas pararam de aparecer. Essa moça tinha na perna esquerda vitiligo, assim como na direita. Cicatrizou muito bem, a cor ficou super forte por aquela parte da pele ser super branca, como papel.”
Amithis Weissheimer Tatuadora do Rio Grande do Sul
“Já tatuei a muitos anos atrás e a pessoa não tinha muita diferença nos tons (geralmente ataca pessoas de pele mais escura). Não notei diferença na textura mas sim no tom, já que a tinta fica embaixo de um tecido pigmentado. Aonde não há pigmento as cores ficam muito mais vivas e destacadas. Se o desenho ultrapassar a parte despigmentada o tatuador terá que ser criativo ou trabalhar com cores diferentes dando contraste ou anulando a diferença entre derme com melanina e não.”
Remer Tattoo de Santa Catarina
“Existe um fenômeno chamado Koebner, que é o aumento e desenvolvimento das manchas causadas pela vitiligo. Esse fenômeno ocorre quando o local da mancha sofre algum tipo de trauma, esse trauma pode ser causado por vários motivos. Uso de colares, pulseiras, acessórios e etc, que causam atritos no local. Eu particularmente não tatuo os locais das manchas sem que o cliente tenha conhecimento do fenômeno. E muito importante que fique claro para o cliente que as manchas podem aumentar e se desenvolver.”
André Alves Tattoo de São Paulo
“Já tatuei um amigo. Tranquilo, igual qualquer pele e já faz anos. Cicatrizaç?o normal, resultado ótimo.”
Wilde de São José do Rio Preto
“Já tatuei. Ele passou por um dermatologista antes e o dermatologista que indicou para ele tatuar em cima. Cicatrização foi normal e a tattoo ficou com as cores bem acesas devido ao tom da pele. Na verdade ele veio aqui deixar um presente depois porque ficou muito feliz com o resultado. Ah, não sei se foi coincidência ou realmente foi por causa do pigmento. O vitiligo não se espalhou mais na região (pelo menos durante 2 anos que ainda tive contato com ele). Infelizmente perdi contato pois isso foi há uns 7 anos e não sei como está hoje. Gostaria também de saber se o pigmento influência nessa estabilizada que deu durante esse tempo.”
Patrícia Borboleta do Ceará
“Muito tranquilo a pele reagiu bem, agora a pigmentação tem que ter mais cuidado.”
Rômulo Cruz de Salvador
“Tatuei um guri com vitiligo, em uma parte não despigmentada da pele, a cicatrização aconteceu normalmente.”
Yasmin Borges de Brasília
Algumas das respostas que obtivemos das pessoas tatuadas foram:
“Eu fui num workshop com uma dermatologista. Ela disse que não é indicado pois pode afetar outras áreas que não tem a despigmentação do Vitiligo.”
Filipe Lopes do Tattoodo
“Eu tenho vitiligo, o dermatologista afirma que o pigmento da tatuagem pode irritar a pele causando novas machas.
Eu tatuei em áreas que não tem machas e felizmente não surgiu novas manchas, acredito que o vitiligo varia muito de pessoa para pessoa, então não quer dizer que se você tatuar a região, a doença vai progredir. É importante conversar com um dermatologista e também com tatuador em relação as tintas, existe no mercado tintas para esse tipo de pigmentação. Obviamente não são vendidas no Brasil, mas vale a pena pesquisar sobre o assunto.”
Bárbara Rodrigues de Belo Horizonte
Para quem se interessa em ouvir mais sobre o assunto, a youtuber Fernanda Kuzman do canal Contaprazamiga, que é bastante tatuada, tem vitiligo e conta como foi a descoberta da doença e como se relaciona hoje com seu corpo tatuado e com vitiligo. Inclusiva comemora pelas cores ficarem mais acesas na parte onde ocorreu o processo de despigmentação.
A conclusão que chegamos até aqui é a de que não existe um consenso entre profissionais da tatuagem sobre o assunto. Por outro lado, embora tenha um consenso entre médicos e a AAD que não se deva tatuar, temos dados com base em casos de que a tatuagem sobre áreas despigmentadas pelo vitiligo não fizeram com que houvesse expansão da doença. Acreditamos que o importante nessa situação é saber que a tatuagem pode fazer com que o vitiligo aumente e, principalmente, no caso dos profissionais da tatuagem deixar essa informação bastante clara para clientes que estejam dentro dessa configuração. O cenário perfeito seria que houvesse um cruzamento entre cliente, profissional da tatuagem e dermatologista para estudo e acompanhamento de caso.
Se você tem vitiligo e pretende se tatuar converse antes com um ou uma dermatologista para saber especificamente sobre seu caso e seu corpo. Se você conhece estudos científicos sobre o assunto, além dos que citamos aqui, por favor, compartilhe conosco.
FONTE
Vitiligo e tatuagens – entrevista a um especialista.
http://vitiligotemcura.com/vitiligo-e-tatuagens/
Não é recomendável pessoas com vitiligo fazer tatuagem
http://g1.globo.com/bemestar/videos/t/edicoes/v/nao-e-recomendavel-pessoas-com-vitiligo-fazer-tatuagens/5211258/
Psoríase e vitiligo não pegam; preconceito maltrata os portadores
http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2016/08/psoriase-e-vitiligo-nao-pegam-preconceito-maltrata-os-portadores.html