Preta tatuada, preta tatuadora! Entrevista exclusiva com Mariana Silva

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Fotos: acervo Mariana Silva

A tatuadora Mariana Silva.

Quantas pessoas negras você conhece que são profissionais da tatuagem? Quantas pessoas negras você já viu em portfólios de profissionais de tatuagem? Quantas pessoas negras você já viu em capas de revistas de tatuagem nacionais? Faça o exercício do pescoço em convenções de tatuagem, workshops profissionalizantes e eventos direcionados para as modificações corporais e procurem quantas pessoas negras estão nesses espaços. E – quando e -se estão,  o que estão a fazer. Faça isso e pense sobre isso. Não diga nada, apenas pare, analise e pense. 

Recentemente publicamos no FRRRKguys uma longa lista de mulheres tatuadoras ao redor do Brasil. A lista é incrível e cumpre a proposta de fomentar o trabalho de mulheres no meio da tatuagem, no entanto, tivemos uma constatação que mais do que nos chatear, nos provocou. Onde estão as mulheres negras que são profissionais da tatuagem? Percebemos que mesmo nos Estados onde a população é majoritariamente negra, não tínhamos mulheres negras tatuadoras. Onde estão elas? Onde estão?

Dos felizes encontros que a vida nos proporciona, conhecemos através dessa lista o trabalho de Mariana Silva, uma jovem negra e tatuadora de São Paulo. Nos encantamos com o seu trabalho enquanto tatuadora e mais ainda com o seu posicionamento crítico sobre o mundo em que está inserida. Nessa entrevista exclusiva, conversamos com ela sobre sua carreira e suas vivências enquanto mulher e negra no meio da tatuagem. 

Nós acreditamos muito que a nova geração de profissionais e entusiastas das modificações corporais irão transformar tudo o que já conhecemos, o que está posto como dado imutável e irão colaborar com a criação de um mundo mais acessível e plural. Olhar para Mariana Silva e o seu trabalho é ao mesmo tempo suspirar com um tom de alívio, que bom é saber que existe gente como ela na cena. 

Nossos sinceros agradecimentos para Mariana Silva por nos atender e aceitar o convite dessa entrevista. Que seja a primeira de muitas conversas que teremos nos próximos anos. Muito obrigada!

Agora é com vocês, boa leitura e reflexões.

T. Angel: Conta para gente como e quando começou a sua história com a tatuagem?
Mariana Silva: 
Me apaixonei por tatuagem em meados de 2012/2013, incentivada pelo meu atual companheiro, época em que fiz a minha primeira tatuagem. Lembro da dificuldade que foi conseguir um tatuador que fizesse a arte que eu buscava – era colorida. Depois de um tempo de busca conheci um estúdio em São Paulo que topou fazer o trabalho, dede então não parei mais.

Ainda com o incentivo do meu parceiro, me enveredei pelos caminhos da arte e encontrei meu porto seguro como tatuadora em 2014, quando dei meus primeiros passos pra me profissionalizar, desde então sigo um caminho árduo de evolução.

Tatuagem feita por Mariana Silva.

T. Angel: Como você fez para se especializar na área?
Mariana Silva: Se tratando de uma área difícil, ainda mais pra mim enquanto mulher e negra, não achei muito apoio nos meus primeiros passos, treinei traço, sombreado e pintura em pele de artificial, usando dicas escassas na internet, posteriormente fiz um curso básico na região de Santo Amaro. A virada veio com a abertura do meu próprio estúdio, onde era administradora e rodava com um time de freelancers que me ajudaram com a minha evolução como artista.

O interesse em tatuar pele negra surgiu principalmente da minha militância particular e das reclamações de diversos amigos que não achavam boas referências. Com o pouco estudo na área, comecei a treinar em mim e em cobaias diversas técnicas que eu mesma havia desenvolvido, além de testar os melhores pigmentos e passar a investir e materiais que me ajudassem nessa busca, tive contato com biomédicos e dermatólogos que me ensinaram fisiologia e reações da melanina em pele negra e à partir disso fui desenvolvendo o conhecimento que tenho hoje.

Mariana Silva tatuando.

T. Angel: Quais suas principais referências enquanto tatuadora?
Mariana Silva: 
Gosto do trabalho do Finho, um dos primeiros a falar abertamente e a criar projetos para tatuagem em pele negra no Brasil, a Téssia Araújo também faz trabalhos incríveis.

Dos que trabalham dentro do meu estilo atual, sou apaixonada pelo trabalho da Drikalinas e Mayara Compulsiva.

Tatuagem feita por Mariana Silva.

T. Angel: Hoje qual o estilo que você vem trabalhando?
Mariana Silva: Minha especialidade é aquarela. Sou a louca das cores, mas também curto bastante blackwork e neotraditional.

T. Angel: Montamos uma lista de mulheres tatuadoras ao redor do Brasil – a qual você faz parte e por onde conhecemos o seu trabalho – e sentimos o baixo número de mulheres negras tatuadoras. Gostaríamos então de ouvir como tem sido a sua vivência no meio da tatuagem enquanto mulher negra, o que pode nos dizer?
Mariana Silva: Existe muita resistência no mercado, nenhum estúdio abriu as portas quando eu precisei de aprendizado. Consigo contar nos dedos a quantidade de mulheres negras tatuadoras e isso é reflexo não só do machismo, mas também do racismo nosso de cada dia. A gente segue resistindo.

Tatuagem feita por Mariana Silva.

T. Angel: Hoje tem existido um debate mais forte sobre a tatuagem na pele não branca, embora ainda estejamos muito longe do que serial um cenário ideal. Você tem acompanhado essas discussões? O que pode nos dizer sobre esse assunto?
Mariana Silva: Tenho acompanhado alguns projetos, mas esse debate é longo, e em particular, eu acredito que isso possa despertar o interesse do mercado não só de tatuadores mas de fabricantes. Nunca viram negro como pagante, o que eu espero disso tudo é que passem a ver e investir na gente.

T. Angel: O que você tem para dizer para uma pessoa de pele negra que deseja se tatuar?
Mariana Silva: 
Faça!

T. Angel: Percebemos em nossas pesquisas que o corpo negro é invisibilizado na maioria dos portfólios de profissionais da tatuagem, assim com capas de revistas, assim como concursos de tatuagem. O que pensa a respeito disso?
Mariana Silva: 
Novamente, racismo! E mais racismo! Mesmo no meio “das minas” pouco se vê de pele negra em portfólios, a maioria esconde. Não consigo pensar em outro motivo que não seja racismo puro.

Tatuagem feita por Mariana Silva.

T. Angel: Em sua opinião a área da tatuagem é racista?
Mariana Silva:
Certamente.

T. Angel: Em sua opinião a área da tatuagem é sexista machista?
Mariana Silva: Sim, outro dia inclusive me convidaram pra um concurso de tatuadoras gatas…Fico pensando em quantos concursos de tatuadores gatos a gente vê brotando por ai.

T. Angel: O que podemos fazer para combater o racismo e o sexismo machista especificamente na área?
Mariana Silva: Vivemos na era da problematização, a galera tá batendo de frente, nenhum mercado vai se sustentar se resolver se manter fechado pra isso. A gente questiona as coisas, e vai continuar questionando, toda vez que um pretinho resolve se dedicar à arte da tatuagem, toda vez que um tatuador resolve fazer diferente e aprender à lidar com pele negra, toda vez que uma mulher é valorizada pela qualidade do trabalho dela a gente dá um passo. Isso é maravilhoso.

Tatuagem feita por Mariana Silva.

T. Angel: Como imagina que estará a cena da tatuagem daqui dez anos?
Mariana Silva: Espero um posicionamento principalmente das fabricantes e laboratórios, acima de qualquer coisa, tatuagem não é mais tabu e tem que ser acessível pra quem quer fazer e ama essa arte. Falando de pele negra propriamente, espero que role de começarem a levar a gente à sério, de lançarem produtos que sejam específicos e criados cuidadosamente pra nossa pele. Minha visão é otimista apesar de tudo.

T. Angel: Por favor, deixe uma mensagem para todas as pessoas que admiram o seu trabalho, para as pessoas que nos leem e principalmente para as minas pretas que querem se tornar profissionais da tattoo.
Mariana Silva: 
Eu realmente não esperava a repercussão que meu trabalho teve, tive pouco tempo e pouco suporte e só tenho à agradecer e buscar fazer sempre o melhor. Pra todas as pretinhas que estão na busca, querem se profissionalizar: Vai ter muita gente pra desanimar vocês, mas não desistam! Somos nós por nós.

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