Bem, bem… Sopramos hoje as nossas dezessete velas. E espalhamos, com o sopro, as chamas de cada uma delas. É assim que gostamos de pensar…
Nossa história já foi contada e recontada a cada aniversário, a cada momento em que se abre uma janela em que podemos contar nossas histórias. E como nos ensinou Ailton Krenak, é com a possibilidade de contar novas histórias é que temos adiado o fim do mundo. E por igual, o nosso próprio fim.
Existimos ao longo desses dezessete anos de forma independente e indomesticável, como os gatos fazem… E talvez essa tenha sido a nossa tática de resistência e sobrevivência em se manter de pé por tanto tempo. Tudo se dissolve no ar na velocidade da luz, tudo é descartável facilmente nessa configuração de mundo fast-food que temos, todas as coisas e pessoas são substituíveis de modo acelerado, mas nós permanecemos aqui. Nós permanecemos por aqui por quase duas décadas agora.
Aprendemos ao passo que fomos fazendo o nosso trabalho. Crescemos como um potente e vertiginoso monstro. Seguimos aprendendo o tempo todo. Abraçamos sempre – fortemente – o lema do “faça você mesma” (do it yourself). Entendemos com profunda e bonita sensibilidade que nosso trabalho aconteceria pelas curvas da precariedade e embora quiséssemos muito mais, entendemos a realidade material que nos atravessa. E, é partindo dela, que temos feito o que fizemos da forma em que fizemos. Orgulhosamente somos uma plataforma criada e mantida na periferia da periferia do capital. Orgulhosamente da América Latina, “un pueblo sin piernas, pero que camina, ¡oye!“. Orgulhosamente encabeçado por uma pessoa transvestigenere. E as nossas vulnerabilidades, de algum modo, nos tornaram invencíveis, como diz a canção.
Assim como todas as coisas vivas, um dia não existiremos mais. A finitude é uma benção. Todavia, nos contentamos em deixar textos nossos espalhados por aí para além do campo eletrônico e cyberespaço. Contentamos-nos em saber que existem textos tantos de outras pessoas sérias que falaram sobre nós ao longo desses anos. Áudios, vídeos, fotografias, vestígios e restos ficarão quando a gente for apenas memória. E enquanto alguém se lembrar de nós, estaremos – de algum modo – com vida. Que a nossa bandeira freak tremule no céu.
O nosso trabalho sempre foi sobre afirmar e celebrar as vidas esquisitas. As nossas corpas e corpos, como campos de batalhas, e também pistas de dança, de fervo e de calor. As chamas do sopro.
É 21 de Junho o nosso aniversário.
É 21 de Junho que celebramos, desde 2018, o Dia do Orgulho Freak.
O Dia do Orgulho Freak é, de algum modo, a materialização do Manifesto Freak. É o canto bendito de amor e respeito para toda gente freak que veio antes de nós. É a nossa conexão sagrada com a nossa gente freak já encantada e, que em sua maioria, passaram para o outro lado cedo demais. É o nosso abraço. É o nosso fogo. É o nosso desejo de permanência com a consciência nítida da finitude. Somos e estamos de passagem…
Falar em orgulho, dentro da nossa perspectiva, é nunca esquecer da histórica luta pelo direito de uso do próprio corpo, a batalha pelo direito de decidir e ser e estar, afirmando as nossas diferenças. A luta pelo direito à vida. A luta pela defesa das culturas marginais. É nunca esquecer da nossa luta contra as injustiças sociais e que, enquanto freaks, decidimos não alterar apenas as nossas corpas e corpos, mas mexer nas estruturas da normatividade compulsória. Dançando ao som dela sendo destruída. Sorrimos. Cantamos. Dançamos.
As nossas vidas importam.
As nossas corpas e corpos importam.
As nossas subjetividades importam.
E nós amamos vocês, exatamente da forma que são:
Forças aberrásticas*e erráticas da natureza
Cuidemos de nossa história e de nossa gente freak com afeto e responsabilidade. Abracemos as nossas memórias pois elas são preciosas. Contemos para as gerações freaks futuras sobre as nossas ancestralidades. Lutemos para que elas não sejam assimiladas pela norma e pelo capital. Abramos rotas de fuga, criemos espaços seguros para as nossas crianças esquisitas. Que possamos desenhar perspectivas de amanhã. Ainda que tudo pareça perdido, nós estamos aqui. Em passos, compassos, sopros e abraços. Hoje sopramos dezessete velas. Que as chamas cheguem em vossos corações. Aquecendo a nossa desobediência, a nossa insubmissão, as nossas transgressões e revoltas diante de um mundo adoecido e quebrado.
Insurgência freak hoje, amanhã e sempre.
Feliz aniversário para nós.
Feliz Dia do Orgulho Freak para todes!
*neologismo que parte e transforma a palavra aberração (freak) em adjetivo.