Costurar os lábios ou podemos dizer também, suturar a boca, é uma prática de uso do corpo que faz parte do repertório de possibilidades da comunidade da modificação corporal, no BDSM, na arte da performance e enquanto protesto para denunciar algum tipo de injustiça social que ocorra ao redor do mundo. Os lábios alinhavados e ainda assim gritando em alto e bom tom.
Quem escuta?
No mundo real o BMEzine registrou muitos relatos de experiências, por exemplo, em sua Wiki.BME temos dois registros de fotografias que datam 2004 e 2006. Embora não especifique a finalidade – não que precisasse também – temos ali registros e uma explicação do que é a prática de lip sewing (costurar os lábios).
Na ficção, filmes como Mórbido Silêncio (EUA, 1998) e o nacional Encarnação do Demônio (Brasil, 2008) vemos o procedimento da sutura dos lábios. Inclusive, no filme do Zé do Caixão, o procedimento embora esteja em uma ficção foi realizado verdadeiramente na performer Milze. Assim com a suspensão corporal que aparece no filme também é de verdade.
No campo da arte da performance as experiências são incontáveis. No livro publicado em 2023 no Japão, Modified Future, o artista australiano Stelarc contou em entrevista ao jornalista Ryoichi “Keroppy” Maeda, que uma de suas primeiras performances antes da suspensão, em 1976, envolveu justamente a sutura de seus lábios e pálpebras.
No Brasil, tivemos em 2002 a performance Cárcere do artista Filipe Espindola em que os seus lábios eram costurados por ele mesmo.
Priscilla Davanzo, artista multimídia, em seu trabalho junto do Esquizofonia realizou a performance Objeto intersemiótico antiergonômico em 2005. Na ocasião o procedimento foi realizado por Sick. Houve a repetição da ação em um festival de música Industrial.
Houve também a primeira performance da T. Angel em 2005, intitulada como FUR em que iniciava a ação suturando seus lábios. Anos mais tarde, em 2008, ela utilizaria a técnica novamente em performance com a banda Diva Muffin na música The world fails down. Na ocasião o procedimento foi realizado por Rafa Gnomo.
A dissertação de Mestrado do Camilo Braz, 2006, intitulada ALÉM DA PELE: um olhar antropológico sobre a body modification em São Paulo, tem em sua capa uma fotografia em que aparece Dani, vestida de enfermeira e com os lábios suturados. No trabalho ainda temos um registro completo com ótimas fotografias do que foi chamado ritual de lip sewing, realizado por Pinguim.
A sutura dos lábios enquanto forma radical de protesto também tem acontecido ao redor do mundo e sempre gera impactos fortes sobre o que se denuncia. Apesar do choque, nada de fato muda, como veremos. Seguimos em um tipo de inércia que tem nos levado para cada vez mais fundo no buraco.
Em 2003 o refugiado iraniano Abas Amini, 33 anos, costurou seus lábios, pálpebras e entrou em greve de fome como protesto diante da possibilidade de ser deportado. As imagens foram realizadas em Nottingham, Inglaterra.
Alguns anos depois, em 2016, vimos a ação de protesto se repetindo em massa por pessoas iranianas, conforme publicamos AQUI. A ação das pessoas iranianas correu em toda imprensa internacional, inclusive em grandes veículos nacionais.
A ação de costurar a própria boca também foi utilizada por imigrantes em novembro de 2016 na Grécia, diante da recusa da Macedônia de deixá-los atravessar a fronteira. Igualmente tem sido utilizada em outros conflitos em diferentes lugares do mundo, como a lei que proíbe apoio as pessoas LGBTQIAPN+ na Rússia e que teve protesto em 2013, na época divulgamos AQUI.
Em 2021 tivemos o registro do Reverendo Tim Hewes, em Londres, que com os seus 71 anos suturou os lábios em frente do News UK offices. Sua ação de protesto buscava chamar atenção para o silêncio sobre as mudanças climáticas, especificamente direcionada aqui contra Rupert Murdoch e a corporação News e a falta de ação efetiva diante da crise climática.
Imigrantes e pessoas refugiadas continuam sendo atacadas e, nos últimos anos, temos visto uma piora perigosa com a ascensão da extrema-direita e a organização de grupos fascistas internacionais. Pessoas LGBTQIAPN+ na Rússia e fora dela seguem sendo alvos de políticas de perseguição e extermínio, e nos últimos anos temos visto uma piora perigosa com a ascensão da extrema-direita e a organização de grupos fascistas internacionais. O aquecimento global e a crise climática segue em fluxo, com sua onda crescente. Os prejuízos e as catástrofes não são apenas para as novas gerações, já estão colocadas agora para nós. Aqui também temos visto uma piora perigosa com a ascensão da extrema-direita, a organização de grupos fascistas internacionais e negacionistas científicos e climáticos de todos os tipos.
Quantos outros lábios precisarão ser suturados para que algo efetivamente mude? É… É… É…
Muitas outras experiências devem – com toda certeza – ter ocorrido ao redor do globo. Caso você conheça alguma que não esteja listada aqui, de algum modo, por favor, deixe-nos saber.
Agradecemos o perfil no Instagram @brassturtle por difundir a cultura da modificação corporal e diferentes usos do corpo. Agradecemos ao Filipe Espindola pelas conversas curtas e longas – mas sempre importantes e especiais – e por nos provocar a escrever.