Arraste: uma performance sobre violência em Salvador

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Fotos: Daniel Guerra

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Fernando Lopes é um artista de Salvador, Bahia, que tem flertado com a body art em seus trabalhos. A sua mais recente criação, que pretendia falar sobre violência, desencadeou em um bruto episódio de intolerância, que falaremos mais adiante. É a arte da performance provocando e revirando os mais variados sentimentos.

Arraste surgiu como ponto de convergência entre dois dos principais processos artísticos de Fernando Lopes, a intervenção urbana “Gráfico Planificado da Violência” e a poética “A Flor da Pele“. Ainda, criando e tentando articular a ideia do arrastar, no sentido de que “ao nascermos já termos uma história que carregamos, de nossa família, de nossa etnia e de eventos do passado lançados sobre nós desde o nascimento e vão se articulando e se atravessando em nós no presente”.

Inserido numa cidade predominantemente negra, na qual a relação classe econômica versus violência e etnia ainda caminham muito juntas. Em uma “cidade em que grande parte dos homicídios são de homens e jovens negros de bairros de periferia, que possuem suas identidades depreciadas, expostas e mercantilizadas por órgãos de mídia, para venda de jornais e programas sensacionalistas, construindo assim uma história coletiva, urbana, em que diversos setores da sociedade soteropolitana arrastam uma certa culpa, seja pela criação dessa violência e/ou pela exploração midiática, cada um tendo uma leitura muito particular e própria do fenômeno da violência” o artista leva e expõe o seu próprio corpo em confronto direto com o espaço público, carregando resíduos dessa imprensa que transformou em blockbuster a violência e extermínio da população pobre e negra.

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Integrando o Festival “De Solos e Coletivos V“, o artista Fernando Lopes coletou por uma semana, jornais e/ou notícias sensacionalistas, com destaque para o “A Massa“, do grupo A Tarde. A partir de perfurações e ganchos na pele das costas do performer, todo esse material foi preso à correntes e junto com uma coroa de flores, ele passou a caminhar pelo bairro de Cajazeiras em Salvador. Em uma espécie de pulling arrastando a desgraça vendida em um dos tantos bairros explorados do Brasil. Importante dizer que todo o procedimento de perfuração e colocação de ganchos foi realizado pelo body piercer profissional AndreKorn.

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Durante a caminhada de Fernando Lopes acompanhado de um pequeno grupo de apoio, quando passaram em frente de uma unidade da Igreja Universal do Reino de Deus, a surpresa. Dois homens abordaram o grupo e tentaram interromper a ação alegando serem policiais e que a igreja não poderia ser filmada e que aquilo não poderia estar acontecendo publicamente. Seguraram a pessoa que estava fazendo a filmagem e disseram que ali estava sendo cometido um crime. Muito diálogo, ameaças e os dois homens aparentemente desistiram e partiram em um carro. O caso foi posto em público no Facebook pelo próprio videomaker e você pode ler o relato na íntegra CLICANDO AQUI. A truculência da ação ia de encontro com tudo que já vinha sendo arrastado pelo performer.

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Posteriormente em conversa com Fernando Lopes, perguntamos se ele achava que as intervenções corporais tinham sido um dos problemas do ataque e ele confirmou que sim e que os ganchos foram bastante questionados pelos dois homens (que ainda não se sabe se eram policiais ou seguranças da igreja). A violência que o corpo branco e cisgênero do performer sugeria propositalmente em espaço público e, que inclusive incomodava os transeuntes, não chegava nem perto da violência consumida pela massa em notícias populares e que ele carregou em sua caminhada. Enquanto isso, ironicamente a real violência que está posta nas cidades brasileiras continuam movimentado muito dinheiro em uma imprensa torpe. Tristes tempos de senso critico seletivo.

A arte tem esse poder de cutucar as feridas que fingem estarem cicatrizadas. Ela – a arte – arrasta.

CONTATO
http://artesfernandolopes.wix.com/fernandolopes

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