No começo de Maio foi divulgado pela Netflix o trailer do documentário Laerte-se, primeira produção brasileira a figurar no catálogo do serviço de streaming, sobre a vida da Laerte Coutinho, artista transgênero brasileira. Sim, obviamente que os comentários transfóbicos pipocaram nas redes sociais. Um deles – de uma usuária do Facebook – foi respondido lindamente pela própria Netflix, conforme reproduzimos abaixo.
O documentário, dirigido por Lygia Barbosa da Silva e Eliane Brum, conta a história de vida da Laerte, principalmente sobre os processos que tangem sua transição de gênero. Boa parte do documentário a Laerte faz inúmeros depoimentos acerca da construção de seu corpo, seus seios, o que envolveria uma cirurgia. Para nossa surpresa em dado momento ela traça um paralelo desse processo com o da suspensão corporal vertical pelo peito e cita o filme Um Homem Chamado Cavalo (EUA, 1970), especificamente o rito de passagem inserido no longa. Ao ser questionada por Eliane Brum sobre como estava a relação com seu próprio corpo, Laerte diz:
“(…) em relação com o peito eu estou me debatendo com quatro verbos: o querer, o poder, o precisar e o dever. Eu sei que não preciso… Eu não preciso, eu existo sem peito. Agora, eu quero. Mais recentemente, eu posso. Eu tenho meios para isso. Muito bem e o devo? O devo é uma questão muito perturbadora porque ela diz respeito ao olhar dos outros. Eu sempre ouço quando penso nesse verbo, sempre ouço a filha da puta da fascistóide lá enfiando o dedo na minha cara e perguntando “e o seu peito, quando é que você vai por?”. Por que? Porque isso é um documento, né? E é mesmo.”
E completou:
“Lembra do Homem chamado cavalo? Tem uma prova física que tem que ser feita. Aquilo revela algo da disponibilidade da pessoa, você está afim mesmo? O personagem do Richard Harris aceita e vai se tornar membro da tribo e o ritual de passagem é enfiar na pele do peito duas cravelhas, que sustenta umas cordas e ele fica pendurado por aquilo no teto com uma fogueira jogando uma fumaça… É lindo! É lindo. Daí, na vida da tribo, dos índios, aquela cicatriz é uma prova. De comprometimento. É o que sagra a aliança do homem daquela tribo.”
Toda essa fala da Laerte faz parte de uma cena bonita e longa, compostas por justas pausas e cenas do filme O Homem chamado cavalo. O ritual em que se tem o uso da suspensão corporal é mostrado quase na íntegra. Nos faz pensar sobre essas alianças que muitas vezes construímos inconscientemente para fazer parte de algo. Ainda, introduz para muitas pessoas a prática ritual da suspensão corporal, o que é também muito importante.
O documentário, como dito, faz parte do catálogo da Netflix e abaixo você confere o trailer.
REFERÊNCIAS
Netflix rebate comentário transfóbico sobre novo documentário
http://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/netflix-rebate-comentario-transfobico-sobre-novo-documentario/