Jornalista londrino do Noise escreve texto sensacionalista sobre a “tatuagem no olho”

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“A pior cegueira é a dos que não sabem que estão cegos.”
Clarice Lispector

 

Qual seria a melhor forma de começar esse texto? Não sabemos. Novamente vamos falar da mídia genérica que por infelicidade do destino insiste em falar das modificações corporais. O momento é do eyeball tattooing, é dessa técnica que todo mundo quer falar, que querem fazer terrorismo, criar mito e fazer bicho-papão. Mas não nos esqueçamos que a tatuagem já teve seu momento de ser bombardeada na década de 80 (e ainda hoje continua sendo), que o body piercing foi bombardeado na década de 90 (e ainda hoje continua sendo), implantes e demais modificações na primeira década do ano 2000 (e ainda hoje continua sendo). Mesmo práticas não exclusivas da comunidade da modificação do corpo, a exemplo da suspensão corporal, também já rendeu notícias pitorescas (e ainda hoje continua rendendo). Mas ao que nos parece, a era da informação é um tanto vaga e contraditória. Veja bem, as pessoas nem precisam fazer o eyeball tattoing para serem cegas e é justamente por isso que abrimos essa matéria com a potente frase de Clarice Lispector.
Com isso, queremos dizer que podemos soar repetitivos, mas de verdade, não nos importamos mais com isso. Vamos assumir o papel de ser repetitivo enquanto for necessário. Vamos ser repetitivos enquanto a mídia genérica insistir em falar e tratar as modificações corporais de forma desrespeitosa, de forma falaciosa e de maneira leviana. Não temos problema algum com a repetição.

O mais novo caso vem de Londres, mais especificamente do site Noisey vinculado com a Vice, curiosamente voltado para o público jovem, descolado e conectado. Supostamente o respectivo site deveria falar sobre música, porém, trouxe uma matéria com o título “Os artistas Jamaicanos de Dancehall estão ficando cegos porque estão tatuando os olhos”. Quando lemos o título imaginamos uma dezena de jovens cegos ou quase cegos por conta do procedimento, foi um susto. Depois pensamos que poderia ser um erro de tradução, já que o autor é inglês. Corremos para ler a matéria e ficamos chocados com a tamanha leviandade do jornalista ao abordar a respectiva prática. O texto dele já começa equivocado ao defender a ideia absurda de que o “governo está certo com uma coisa, é que a internet é uma latrina nojenta de porcarias que irão demonizar crianças e acabar com o mundo”. A fala do jornalista nos lembrou os textos de alguns evangélicos radicais que diziam que a televisão era do demônio por mostrar  pecado ao povo.  Pois bem, o governo quase nunca está certo – basta dar uma olhada ao redor do mundo – e essa demonização da internet vinda de um homem cis, branco, europeu e jornalista é um tanto difícil de engolir.

Ryan Bassil que é bacharel em Jornalismo Multimídia pela Bournemouth University produz um texto bem ruim, talvez tenha tirado a ideia das “latrinas nojentas de porcarias” do senso comum e quiçá da internet também. E se foi isso, entendemos o receio infantil dele de ser demonizado pela internet. Falando em infantilidade, o texto dele é carregado daquele humor que não faz rir e o jornalista não economiza em propor regras sobre o que as pessoas devem ou não fazer com o corpo. Dava pra compor um manual do que pode e não pode fazer com o corpo, tipo livro de etiquetas. Uma piada, como dissemos, sem nenhuma graça.

O título do texto de Ryan Bassil está no plural, e curiosamente o jornalista apresenta apenas um caso, de alguém que inclusive não ficou cego até o presente momento. Não que um caso fosse irrelevante, não é isso que estamos querendo dizer. O caso apresentado é relevante, deve ser considerado e principalmente servir de alerta como parte dos riscos que o procedimento oferece. No entanto, o jornalista tem uma postura totalmente questionável ao falar no plural, quando não é. Igualmente quando tece afirmativas que não condizem com a realidade dos fatos, como o próprio desenrolar do texto nos mostra. A única realidade que enxergamos até aqui é a seguinte: sensacionalismo barato e de péssima qualidade somado da opinião pessoal do sujeito.

O perigo disso é que outras mídias genéricas se apropriem do texto e o discurso equivocado se torne uma verdade. O perigo disso é que matérias do tipo alimentem a cabeça de gente que escreve e ou apoia projeto de leis que criminalizem as práticas das modificações corporais. É uma matéria ruim e qualquer leitor e leitora mais atenta percebe isso na primeira linha, no entanto, existe aquela cegueira crônica que não é física, mas cognitiva… E justamente por isso esse texto é perigoso. Bem, nós não estamos cegos a esse ponto. Nossos olhos estão bem abertos, bem abertos mesmo.

Tudo bem que o jornalista não goste do eyeball tattooing, e que ele queira imprimir suas opiniões pessoais em suas matérias. O que é inaceitável é que se venda um texto com um título fraudulento e é exatamente isso o que ele fez.

Assim como o Ryan Bassil, nós também esperamos que o procedimento de colorir os olhos não se torne moda. Esperamos também que os jornalistas tenham mais aulas de ética, antropologia, sociologia, história durante suas respectivas graduações. Talvez assim eles passem a se preocupar menos com a coloração dos olhos das pessoas e mais com a qualidade do que se tem na mente. Ah! Da própria mente que estamos falando, que fique claro.

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