De uns tempos para cá tem se tornado comum a discussão da modificação corporal dentro das universidades brasileiras. O que consideramos como um passo dado deveras importante, dentre tantos outros que sabemos que teremos que dar.
As alunas Aline Pires, Aline Torchia e Priscilla Dilella do curso de moda da Universidade FMU (São Paulo) fizeram no ano de 2008 um editorial de moda bastante peculiar. Primeiro por tratar de questões polêmicas no que concerne o “mondo fashion” em si, e também, por levantar questões sobre indústria de moda, consumo, corpo e consciência.
Falamos com uma das meninas responsáveis pelo editorial, para entendermos a proposta do trabalho, o impacto causado na universidade e o que as motivou trabalhar com corpos modificados.
Vejam as fotos do editorial que foram feitas pelo fotógrafo Walter Oikawa e, além disso, confiram a entrevista!
T. Angel: Qual a proposta do trabalho de vocês?
Aline Torchia: A proposta era chocar as pessoas. Mostrar como é triste e deprimente o uso de peles e a matança de animais para a indústria da moda. Tentar fazer com que tal atitude, seja digna de vergonha, justamente por estarem beneficiando esse mercado, que ultrapassa as fronteiras da legalidade e chega até mesmo ao tráfico de animais.
T. Angel: Porque usar corpos modificados na execução do trabalho?
Aline Torchia: Nosso trabalho tenta passar através das fotos, que os homens com máscaras de animais estavam no poder e os homens modificados (T.Angel e Pérola) na verdade eram seus escravos.
Os corpos modificados tiveram vários significados, dentre eles:
1- O choque visual que a modificação corporal ainda causa na sociedade contemporânea, ainda mais expondo tal tema;
2- Com a questão da pele tatuada e modificada, remeter-nos a idéia da “pele” dos animais, cada um tendo em seu couro suas digitais, suas próprias marcas. Independente de terem a mesma raça jamais um animal tem marcas iguais aos outros.
3- Por fim tentamos passar de forma simbólica a questão da dor… Onde o homem escolhe se modificar e transformar o seu corpo, já o animal não escolhe ter um freio em seu septo nasal, ser tosquiado e seu pelo tirado, ou receber uma marcação a ferro quente em suas costas para demarcar seu dono.
T. Angel: Como a universidade encarou a proposta?
Aline Torchia: De início pediram para que nós não chocássemos demais as pessoas que veriam o nosso trabalho. De forma que não usássemos sangue, suspensão e outras formas de modificação corporal, onde as pessoas que não estão inseridas neste universo pudessem se sentir constrangidas.
Depois passamos pela dificuldade de nosso trabalho não estar inserido no conceito comercial de um editorial de moda comum, e sim, ultrapassar o conceitual, se tornando na verdade muito mais um protesto do que a venda de um produto.
T. Angel: Podemos dizer que há uma relação entre moda e body modification?
Aline Torchia: Sim, acho que a moda sempre esteve inserida na questão da Body Modication… Tanto sendo inserida diretamente como forma de modificação (como era o caso de vestimentas e acessórios que por muitas vezes transformavam e modelavam o corpo de forma diferente), como também nos dias de hoje onde a Modificação Corporal tomou um rumo estético, onde muitos indivíduos se modificam para inserir-se dentro de grupos, tribos urbanas e até mesmo aos padrões de beleza em que nossa sociedade impõe. Isso incluindo as cirurgias estéticas, o uso de próteses de silicone e outras formas de transformação do corpo.
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Ficha técnica do Editorial Des.humanos
Criação, direção e produção: Aline Pires, Aline Torchia e Priscilla Dilella
Modelos: T. Angel e Pérola Daiben
Fotografia: Walter Oikawa – www.flickr.com/photos/walteroikawa/
Maquiagem: Priscilla Dilella
Cabelo: Luciano
FIM.
* Entrevista feita via e-mail.