José Remer, chamado carinhosamente por Zé ou Remer, nos deixou na data de hoje, 11 de Fevereiro de 2023. Foi encontrado em seu estúdio, já sem vida, na manhã deste sábado, por sua companheira, Tatiane, para quem enviamos as nossas mais sinceras condolências.
Remer, nascido em 25 de Junho de 1980 em Joinville, se tornou tatuador em 1996. Em 2001 também começou a atuar profissionalmente como body piercer e, em 2004, iniciou sua jornada em outras técnicas de modificações corporais. A suspensão corporal também era um lugar por onde ele circulou, iniciando muitas pessoas pelo país afora, principalmente na região Sul.
Peles redes sociais pessoas do círculo de afeto do Remer se manifestaram, sua mãe, irmã, amigos, amigas e amigues lamentaram a perda.
Remer apoiava e incentivava o nosso trabalho no FRRRKguys, em março de 2014 esteve conosco em Osasco, no segundo encontro do Grupo de Estudos Sobre Modificações Corporais – GESMC, nos ajudando nas reflexões sobre as histórias das modificações corporais no Brasil. E mais do que isso, somando força para que o grupo de estudos fosse possível diante do contexto que estávamos.
Em maio do mesmo ano, participou do encontro especial do GESMC em Curitiba. Novamente, somando e fortalecendo a cena.
Nós que ainda ficamos aqui, e de algum modo continuamos, aumentamos o peso da sensação de que as pessoas da comunidade da modificação corporal vão para o outro lado cedo demais. Nossas pessoas, nossa gente, sabe? E talvez, um dia quem sabe, vamos aprender a lidar com esse fardo que só aumenta. E o tempo que só se apequena.
Gostaríamos de reproduzir abaixo algumas palavras escritas pela prima do Remer em 2016. Josianne, utilizando o Facebook, publicou uma foto dele e o seguinte texto:
“Esse é meu primo Zé. Nem sei quantas tatuagens ele tem. Certamente bem mais que as minhas 16, afinal ele é tatuador. Ele tem vários piercings, dois chifres, argolas nas orelhas e até o branco do olho virou azul. Com quase 2 metros de altura, chama atenção de quem passa e é claro olhares reprovadores, além de preconceito, sim preconceito, porque tem muita gente que costuma julgar as pessoas pela aparência, pela cor da pele, pela opção sexual, pela cor do cabelo e tantos outros motivos irrelevantes.
Hoje resolvi falar do Zé, porque nos últimos 15 dias ele cuidou quase todas as noites do meu avô em um hospital público em Joinville. Não só olhou ele, mas cuidou com todo carinho do mundo, conversou, o fez rir, além de aguentar com um bom humor surreal todos os netos e filhos pedindo notícias do vô pelo Whatsapp. Como seu coração é enorme, acabou ajudando todos os outros doentes do quarto. Eu queria agradecer o Zé por fazer o que outros netos não puderam fazer. E agradecer por tê-lo em nossa família.
Vale a pena lembrar que ele é um dos quatros filhos da dona Solange Amaral, que enfrentou tempestades e dificuldades para criá-los sozinha e hoje cuida com carinho do vô e da vó. Dona Solange é irmã da minha mãe, dona Tania Raja, que também criou duas filhas sozinha. Solange e Tania também foram vítimas de preconceito por serem mães separadas em uma época que isso não era comum, mas seguiram suas vidas de cabeça erguida e transformaram seus filhos em pessoas do bem.
O quero dizer é que quem julga as pessoas sem conhecê-las está perdendo uma valiosa oportunidade. Quem tem a chance de ter um Zé, uma Solange, uma Tania por perto pode ser considerar uma pessoa de sorte. A vida sem preconceito é tão mais bonita que qualquer esteriótipo que criem por aí.” (SIC)
Com essas palavras, escritas por sua prima, deixamos aqui um agradecimento e uma pequena homenagem pela memória do Zé. Agradecer pelo apoio e contribuições tantas para a história da modificação e suspensão brasileira.
Lá em 2016 escrevemos, compartilhando a postagem de sua prima, “um pouco de afeto nunca é demais”. O afeto é fundamental! Por fim, para todas as pessoas, que de algum modo, receberam o afeto do Zé, assim como nós, sejam abraçadas nesse momento de dor e luto.
Descanse na força, José Remer.
Ps. A parte mais ingrata do nosso trabalho ao longo desses anos todos, tem sido ter que sentar e organizar alguma coisa na cabeça diante de tantas perdas. Precoces, frequentes, constantes… E pior, saber que se não o fazemos, a memória da nossa gente e cultura desaparecem. E é por isso, que mesmo doendo e com fome de silêncio do luto, escrevemos. Até quando for possível…