A partir de janeiro as tatuagens coloridas estão proibidas na França

Fotos: Tim-Tim / divulgação

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“Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor.” Desmond Tutu

“O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.” Simone de Beauvoir

  Estamos passando por uma onda mundial de conservadorismo e puritanismo que não sabemos até onde vai chegar. Em todos os âmbitos da vida contemporânea percebemos retrocessos, principalmente no que diz respeito ao corpo. Temos percebido um forte esforço dessa máquina neo-conservadora e puritana para aprisionar ou nos alienar dos nossos corpos. Questões como a da nudez e mesmo do sexo, que aparentemente haviam sido resolvidas na década de 70 do século passado, voltam a ser tabu. Nem a arte tem escapado desse esquema funesto e tem gerado episódios, digamos, aterrorizantes. A professora e artista Ludmila Castanheira escreveu em seu blog sobre essa questão, onde inclusive delata o caso de um ex aluno que recentemente foi expulso e autuado por “atentado ao pudor” por uma instituição de ensino.

“Coincidentemente, em outro canto e planeta, também hoje, um aluno de uma instituição em que trabalhei foi expulso. E não só expulso. Foi autuado com um boletim de ocorrência, registrado por um professor, em que consta “atentado ao pudor”. Porque estava nu em cena, e se masturbava. Cena essa previamente autorizada pelo coordenador do curso.”

  Vale muito a pena ler o texto inteiro e para isso é só CLICAR AQUI. Continuando, no Brasil a gente tem a ascensão do fundamentalismo religioso na política (e vida), que tem implicado drasticamente nas corporalidades, o que abarca as questões sexuais e de gênero. Aliado ao conservadorismo cristão, estamos assistindo uma tentativa higienista e puritana de controle do corpo e é aí que as modificações corporais correm sérios riscos. Principalmente o risco de perder todo o espaço que duramente conquistou durante décadas se a gente pensar a modificação do corpo moderna, e séculos se pensamos nas modificações dos povos primitivos. O risco a qual falamos tem sido amplificado em uma escala mais assustadora , ao passo que uma parte das próprias pessoas da comunidade da modificação corporal estão fazendo alianças com políticos, abraçando o discurso dominante (e opressor) e pretendendo normalizar tudo aquilo que essas práticas tentaram quebrar em outrora. Sem nos esquecermos da outra parte que assume um papel omisso, com receio velado de se manifestar e ser rechaçado de alguma maneira. Nesse caso, é sempre bom lembrar das boas palavras do professor Paulo Freire, que diz:

“Que é mesmo a minha neutralidade senão a maneira cômoda, talvez, mas hipócrita, de esconder minha opção ou meu medo de acusar a injustiça? Lavar as mãos em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele.”

O silêncio tem o seu preço e muitas vezes – como o que a história tem nos mostrado com muitos exemplos – é que ele é bastante alto. Falar e se posicionar é resistência e no atual momento, é mais que uma necessidade.

Acha que isso tudo que estamos falando nos últimos tempos é síndrome de perseguição? Tudo bem, pode pensar assim, mas não se esqueçam que:

Esse foi o ano em que Arkansas conseguiu passar um projeto de lei sobre modificações corporais, com apoio de gente da comunidade body mods. (clique para ler)

 

Esse foi o ano em que tivemos o projeto de lei para banir o eyeball tattooing do Brasil, com apoio de gente da comunidade body mods. (clique para ler)

 

Esse foi o ano em que as discussões sobre as tintas de tatuagem no Brasil também fervilharam. (clique para ler)

Quando escrevemos a matéria sobre o que poderíamos aprender com os erros do eyeball tattoing, a gente não imaginava que a questão era mais embaixo. O que esses acontecimentos todos têm nos mostrado é que a comunidade da modificação corporal precisa aprender não somente sobre técnicas, mas também o básico do básico da convivência e do respeito ao outro e de forma legítima, são só no discurso bonito. Esperamos que as próximas gerações tenham a noção do quanto isso é importante. Por fim, parafraseamos mais uma vez o professor Paulo Freire (que inclusive deveria ser lido por todos que atuam com educação dentro do campo da body mods), quando diz que é”fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que num dado momento a tua fala seja a tua prática.”

Sobre a proibição na França em si…

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A partir de 2014 as tatuagens coloridas estarão proibidas na França. O site Opera Mundi diz que:

“Cerca de 90% das tintas usadas pelos tatuadores foram proibidas por uma portaria do Ministério da Saúde da França, publicada no começo de dezembro, que entra em vigor em 1° de janeiro de 2014.”

 

A respectiva medida do governo francês foi baseada no “princípio de precaução” de riscos de infecção, alergia e mesmo câncer e tem causado revolta na comunidade de tatuadores do país. Não por menos, imagine você quantos produtos altamente cancerígenos circulam livremente pelo mercado mundial. Perceba que o discurso que tenta controlar as modificações do corpo é quase sempre o mesmo. Essas ações de veto do Estado que são discriminatórias se traveste de boa ação, seja para o sujeito tatuado/modificado como para o bem da família, dos bons modos e costumes. Sei…

O documento condena 59 corantes usados em diversas tintas e reduz drasticamente as ferramentas de trabalho dos tatuadores, limitando-os ao preto e a apenas um tom de verde e um de azul. Ainda não temos uma listagem sobre todos os corantes, assim que a conseguirmos publicaremos uma nota extra por aqui.

Enquanto a Associação de Tatuadores e Body Piercers do Brasil tem apoiado projetos de lei duvidosos que cerceiam as liberdades dos corpos, na França aparentemente a coisa tem sido diferente. O presidente do Sindicato Nacional dos Artistas Tatuadores e também tatuador Tin-Tin, disse ao Opera Mundi que estão “juntando forças e nos mobilizando para lutar contra esse absurdo”. Tin-Tin toca em um ponto crucial dessa questão, com a proibição das tintas coloridas existe uma abertura para que essas tatuagens passem a ser feitas na clandestinidade. Temos escrito repetidamente sobre isso, pois as pessoas não vão parar de se tatuar (e fazerem modificações corporais) por conta de leis. Temos que ter em mente que esse controle apenas potencializa todos os riscos. Já citamos o exemplo em outros textos mas vale repetir, lembrem-se da questão do aborto e da mudança de sexo no Brasil. Em artigo publicado no jornal francês Le Nouvel Observateur, o médico dermatologista Jacques Bazex defende a interdição. “Os riscos de infecção são indiscutíveis. Existe intolerância a certas substâncias, principalmente àquelas dos pigmentos coloridos. Linfadenopatias, pseudolinfomas e quelóides já foram assinalados após tatuagens e os pseudolinfomas podem se manifestar apenas 32 anos depois” diz o médico. Para ver mais discursos médicos sobre body mods CLIQUE AQUI. “Sim, há casos de alergia, mas não é por que algumas pessoas são alérgicas ao glúten que vamos fechar todas as padarias”, rebateu Tin-Tin de forma muito lúcida  no jornal Le Monde. François Hollande atual presidente francês te sido bastante criticado por conta deste e outros projetos de lei que estão acontecendo durante a sua administração. Todavia, nenhum sinal de mudança até o momento. No mais, e também caindo na repetição mais uma vez, quem tem dinheiro vai para um país vizinho, se tatua e volta colorido para França. Mas não sejamos inocentes, as pessoas vão continuar se tatuando e com muitas cores. Coloridos e fora da lei, oxalá.

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