Manifesto Freak

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Manifesto escrito por T. Angel partindo de vivências e experiências nos meios das modificações corporais brasileiras. Pensado com base nas interlocuções anárquicas e poéticas fomentadas pela primeira década do FRRRKguys. Inspirado no body hackitivism, na teoria queer, teoria crip e em todas as teorias em curso sobre possibilidades de vidas desviantes. Esboçando aquilo que podemos chamar de teoria freak ou a teoria dos anormais. Apropriando-se e ressignificando o termo freak. 

Nossos mais sinceros agradecimentos para todas as pessoas que leram e releram e compartilharam seus pareceres enquanto esse manifesto se desenvolvia.

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Osasco, 27 de Dezembro de 2015.


MANIFESTO FREAK

– Somos freaks!

Nossos corpos e subjetividades são estranhas, esquisitas, abjetas, anormais, monstruosas. Somos os nossos corpos.

– Somos o corpo muito gordo, o muito musculoso, o muito magro, o muito branco, o muito preto, o muito vermelho, o muito amarelo, somos policromias barulhentas. Somos o excesso, somos o exagero que causa distúrbio em sua zona de conforto.

– Somos a mulher vampiro, o enigma, o homem lagarto. Somos o gato que não é macho e nem fêmea e é. Somos a mulher com pênis, o homem com vagina, o menino sem genital, sem nariz, somos as pessoas que não têm gênero. Somos o ruído das normatividades sexuais. Somos o anjo, o demônio, o alien, o cyborg, o xamã. Somos o pássaro, o diamante negro, o tabuleiro, as deusas, os heróis e os vilões das estórias e mitologias. Somos o passado, o presente e o futuro. Somos zumbis, a negra, guerreiras, entidades de chifres, línguas bipartidas e alma serena. Somos quimeras. Somos as cicatrizes dos nossos corpos. Somos os amputados, as cegas bailarinas, os surdos e os mudos eloquentes. Embalamos o mundo em uma cadeira de rodas.

– Somos a lagarta, o casulo, a borboleta e o pó. Somos a metamorfose. Poeiras de estrelas.

– Sabemos que a nossa monstruosidade varia de acordo com o nosso poder financeiro. Quanto menos dinheiro temos, mais monstruosos e abjetos somos. O tamanho da nossa monstruosidade aumenta acompanhando o tamanho da hipocrisia e mau caratismo de quem segue essa linha de raciocínio.

– Alteramos por iniciativa pessoal e, pelas mais diversas motivações, as cores das nossas peles, escleras e as silhuetas dos nossos corpos. Perfuramo-nos e nos permitimos consensualmente ser perfurados. Em nossos corpos inserimos próteses artificiais, removemos partes, criamos relevos, inventamos texturas e novas possibilidades estéticas, místicas e éticas de existência.

– Não há interesse em se preocupar com a harmonia das cores e das formas quando pensamos sobre os nossos corpos. A preocupação está em atender as nossas próprias demandas, necessidades e os nossos anseios, desejos e gostos, baseados naquilo que individualmente acreditamos e entendemos como belo ou grotesco e a infinitude de todas as possibilidades existentes entre um conceito e outro.  Nossos corpos, nossas escolhas.

– Buscamos a harmonia entre a nossa presença e experiência, isto é, a forma que nos colocamos no mundo.

– Não nos preocupamos se o mercado de trabalho vai nos aceitar ou não. A nossa preocupação está em como ainda aceitamos que o mercado de trabalho exclua pessoas baseando-se na vileza dos julgamentos sobre aparência. Julgamentos estes que alimentam, sobretudo, um princípio racista. Caráter não vem impresso do lado de fora do corpo.

– O nosso corpo é uma construção social. O seu também é.

– A modificação corporal é um legado social, cultural, político, artístico, logo, histórico da humanidade. Um patrimônio efêmero, um legado precioso e sagrado.

– A modificação corporal é uma extensão daquilo que você é. Tenha orgulho do que você é. Não permita que ninguém retire o seu orgulho de você.

– Não existe modificação corporal que não seja política. O corpo é político em si. Viver em si é um ato político.

– Não existe corpo vivo que não seja modificado.

– Buscamos compreender e se fazer compreender as modificações corporais reconhecendo as nossas especificidades tupiniquins e latinas. Temos uma vivência rica e complexa que não pode e não deve ser pormenorizada. A nossa história com as modificações corporais é anterior a colonização. A colonização foi responsável pelo extermínio de parte dessa história. A colonização não acabou ainda.

– Recusamos seguir perpetuando noções colonizadas e colonizadoras sobre os nossos corpos. Recusamos seguir perpetuando noções colonizadas e colonizadoras sobre os conhecimentos dos estudos dos corpos.

– Não queremos mais que apenas os doutores e as doutoras teorizem e busquem definições sobre o que somos. Nós queremos contar o que somos, com a nossa própria voz, com a nossa própria escrita, com o nosso próprio silêncio, com o nosso próprio corpo.

– A Teoria Freak deverá ser escrita pelas próprias pessoas freaks. A Teoria Freak deverá ser contada, principalmente, pelas próprias pessoas freaks. E, então somente, na ausência destas ou na total impossibilidade da presença destas, é que precisaremos de alguém que fale por nós. Reivindicamos a nossa presença, recusamos o confinamento da nossa existência nas sombras e nos bueiros.

– Assumimos e nos levantamos contra a normatividade e a domesticação da vida. Não somos corpos dóceis. Nós queremos dançar ao som da destruição da normatividade compulsória.

– Não aceitamos que a família, a igreja, a ciência ou, tão pouco, o Estado diga-nos o que podemos fazer com os nossos corpos. Não precisamos de um selo de aprovação ou etiqueta de autenticidade de nenhuma instituição para existirmos, já somos uma realidade. Não estamos pedindo permissão para existir, estamos dizendo em alto e bom som que já estamos aqui e buscamos uma coexistência pacífica.

– Não precisamos pedir autorização para sermos quem somos, assim, dispensamos a noção patriarcal, violenta, controladora e autoritária de ter que pedir permissão e comprovar que somos o que somos – para então, somente depois de que alguém que não nós, diga que somos – para que a nossa existência tenha validade e dignidade. Nós já somos uma realidade. A nossa existência não só tem validade como está plena em legitimidade. Exigimos dignidade!

– Não existe dignidade sem autonomia sobre o próprio corpo.

– Toda ofensa feita sobre a nossa estética só expõe a sua falta de ética sobre a plenitude da vida.

– A biologia diz que sem diversidade não haveria vida. A cultura diz que sem diversidade não haveria vida. Nós dizemos que sem diversidade não haveria vida.

– Entendemos que compomos uma minoria. Entendemos que, assim como as chamadas minorias, sofremos opressão e parte de um processo de exclusão social e segregação espacial. Por isso e com a plena consciência do sistema violento que vivemos é que endossamos os discursos e lutas contra a misoginia, o machismo, o elitismo, o sexismo, a gordofobia, o racismo, o capacitismo, o etarismo, as LGBTQIfobias, a xenofobia e etc. Conclamamos e alertamos também da importância da conscientização sobre a luta contra o especismo. Nós, seres humanos, não estamos no topo de absolutamente nada. Não nos superestimemos.

– Lutemos contra o autoritarismo, a injustiça, a opressão e o controle dos corpos, mesmo que isso implique levantes contra as próprias pessoas da comunidade da modificação corporal. O discurso dominante é poderoso, o dinheiro é poderoso e corrompe, o poder é poderoso, corrompe e é vicioso.

– Não permitiremos que aconteça assimilação daquilo que somos. Nem por imposição econômica, nem por imposição familiar, nem por imposição religiosa, nem por imposição do Estado, nem por você e nem por ninguém. Só seremos invisíveis – e podemos sê-lo – quando então quisermos. Nós escolhemos!

– Ser invisível é resistência contra um aparato institucional estatal violento, autoritário e opressor. Se for preciso ser invisível para que a nossa existência não seja exterminada e apagada, assim o seremos. Repetindo: ser invisível deve ser uma escolha nossa e não uma imposição de outrem.

– Não queremos atender os interesses de uma vida normativa, pois não acreditamos nesse modelo fabricado e enlatado. A normatividade é uma ilusão violenta que fizeram você acreditar que é a única verdade possível.

– Não existe uma única realidade possível.

– Não existe um único modelo de corpo possível.

– Não existe uma única possibilidade de felicidade possível.

– Não existe um único caminho. Nunca existiu e nem nunca existirá. Se for preciso caminhar na terra, caminharemos. Se for preciso caminhar na água, caminharemos. Se for preciso aprender a voar, aprenderemos. Adaptação, evolução, revolução.

T. Angel

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