Tatuadores e perfuradores de SP temem efeitos de uma imprensa sensacionalista

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Infelizmente esse texto não vai chegar nas mãos de tantas pessoas, pensando aqui em uma comparação com a quantidade de leitores do jornal Folha de São Paulo. Dizemos se tratar de uma situação infeliz pelo simples fato da maioria da população ficar então somente com um lado da história, o da grande imprensa. Aquela que convencionamos chamar de mídia genérica, que mais uma vez faz um trabalho que contribui para aumentar o preconceito e marginalizar as práticas da modificação do corpo, assim como seus profissionais e entusiastas.
No último domingo saiu uma matéria na Folha com o título “Tatuadores e perfuradores de SP temem efeitos do ato médico”, escrita pelo jornalista Chico Felliti. Sentimos como se estivéssemos lendo uma matéria antiga, que em resumo é bastante ruim e perigosa. Ruim pelos motivos que iremos detalhar abaixo. Perigosa pela quantidade de pessoas que têm acesso a esse material e que o utilizam como complemento de formação de opinião.

As imagens de divulgação da matéria são as dos olhos pintados de vermelho de Mariana Queiroz. Uma das primeiras brasileiras a passar pelo procedimento de eyeball tattooing. Se o jornalista queria chamar a atenção para sua matéria, conseguiu pela obviedade e não pela seriedade de um profissional.

O título da matéria e a imagem da divulgação já deixa claro ao que o texto veio. É algo feito para chocar, simples assim. Debruçou-se de maneira irresponsável no ato médico – como assunto do momento – e nas modificações corporais para falar qualquer coisa que não quer dizer absolutamente nada.

O texto começa falando de Mariana e rapidamente corre para falar da Tattoo Week. Compara a convenção de tatuagem com o São Paulo Fashion Week, utilizando-se sempre de referenciais pobres e que reduzem em absoluto as práticas e pessoas envolvidas com as modificações corporais.

“O evento é tipo uma São Paulo Fashion Week, só que para modas do corpo. Em vez de roupas, desfilam línguas bifurcadas (divididas em duas partes por um bisturi), lóbulos de orelha com alargadores (em que cabe uma latinha de refrigerante), dentes de ouro e outros acessórios que fazem tatuagem parecer coisa de criança.”

Como pudemos perceber, de imediato o texto já fugiu completamente de seu título e daquilo que consequentemente este sugere que seja ou trate. Assim como a visível fome do autor em falar de tudo e que erra grotescamente ao trabalhar com migalhas daquilo que visivelmente desconhece. O jornalista da Folha acabou sendo indelicado e desrespeitoso.
Para fechar a curta introdução, Felitti também quis falar da Frrrkcon 000.4 e mais uma vez atirou no próprio pé ao afirmar que na “pista de dança, festeiros se penduram no teto por anzóis que furam sua pele”. Mais uma vez fica claro que o autor estava escrevendo algo sem propriedade alguma, desconhecendo sobre o que se tratava o evento e tão pouco o que é a suspensão corporal. Foi pincelando aqui e ali no senso comum e produziu essa pérola.
Para esclarecer, toda a descrição feita não condiz com a realidade do evento. Você pode clicar AQUI e ler perfeitamente no programa.

Mas quem é o jornalista? Bem, em seu perfil do jornal a gente percebe que não se trata de uma pessoa com problema de formação acadêmica.  Chico Felitti é bastante jovem, no entanto, escreve para a Folha há cinco anos, desde que estudava jornalismo e ciências sociais, respectivamente em excelentes universidades USP e PUC. É uma pessoa viajada, morou em Paris e em Istambul, na Turquia. E tem um currículo profissional forte, escreveu para o jornal “O Estado de S. Paulo”, para os sites “Glamurama”, ”Chic – Glória Kalil” e para revistas como a “Simples”, “SET”, “Top” e “Galileu”.
O problema vai além da academia. É o que parece.

No jornal impresso e no eletrônico o texto é ilustrado por excelentes fotografias. Mas então novamente surge a postura questionável do autor, por exemplo, ao intitular a galeria de imagens no corpo do texto com a questão “é o fim da picada?” O mesmo acontece na capa do jornal onde Chico faz um jogo com as palavras, em uma tentativa de não deixar claro se a interrogação é sobre a pessoa que aparece na foto – no caso, Mariana e seus olhos vermelhos – ou o fato dos tatuadores e piercers temerem o ato médico. O jogo não funciona. Falhou assim como toda a matéria em si, e fica claro a má fé do autor.

As legendas das imagens virariam piada, se não beirassem a tragédia. Na sede de chocar, que está presente desde o título, informações erradas são passadas aos leitores, por exemplo, ao afirmar que as escarificações das mãos de Luciano Iritsu foram produzidas por queimaduras. Chico queria falar de procedimentos que as pessoas normalmente se incomodam em saber que existem. O que poderia ser positivo se a sua intenção fosse boa, assim como seu discurso. Porém, tanto um quanto outro aparentou não ser. Falhou, como todo o resto.
Para esclarecer, Luciano tem em suas mãos uma escarificação feita com bisturi. Caso fosse feita com queimadura teria o nome de branding, o que não é o caso, mesmo.

Os microdermais viraram “ponto de luz”. A descrição feita diz que é uma “espécie de brinco sem tarracha que é inserido na pele como um botão” (sic). Oi, como mesmo? Agora imagine você a pessoa que lê esse tipo de bobagem e que é desprovido de informação tanto quanto o jornalista, percebe? A chance de que se comecem a enfiar brincos pelo corpo afora na intenção de reproduzir o tal “ponto de luz” (sic) é gigante. Atitude e discurso no mínimo carregado de irresponsabilidade.

Para saber mais sobre o microdermal, sugerimos a leitura desse texto AQUI.

Achou tudo até aqui muito ruim? Acalme-se, agora vai piorar.

Chico afirmou que se Mariana quisesse retocar o vermelho de seus olhos teria que procurar um médico. Se para a comunidade da modificação corporal os assuntos que rondam o eyeball tattooing não está resolvido, imagine para esse cidadão. Então só para reforçar, caso um oftalmologista resolvesse fazer o procedimento de eyeball em algum paciente, ele estaria exercendo a medicina ilegalmente e passaria por todo o processo oriundo disto.
Não se pode, em hipótese alguma tratar o eyeball tattooing como se fosse uma tatuagem no ombro. Como escrevemos AQUI, existem pessoas no Brasil sendo lesionadas por conta do procedimento. Melhor dizendo, não por conta do procedimento em si, mas pela forma irresponsável com a qual este se propagou em terras brasileiras.

O jornalista aproveita o gancho das tatuagens nos olhos para entrar então no assunto da aprovação do Ato Médico. Em poucas linhas ele faz um panorama resumido e deixa claro que o ato médico em nada implicaria na profissão do tatuador e do piercer, utilizando como base depoimentos de profissionais da saúde e do piercing. Se a intenção dele fosse, então somente, apenas discutir sobre isso, tal qual o título sugere, sete minúsculos parágrafos teriam dado conta do recado. Está claro que evidentemente não foi. Repetimos, falhou.

Discorremos sobre os efeitos do ato médico e você pode ler AQUI.

Não bastando a quantidade de absurdidades ditas, o jornalista quis ir além ao escrever o grand finale: “ilegal é ilegal”. Nessa parte do texto ele diz que implante subcutâneo é um “procedimento da moda”. De onde ele tirou isso a gente não faz a menor ideia. Essa coisa de tratar as coisas que estão in e out da moda é bem típica dos anos 90. Seria isso o fim da picada? Não, tem mais.
Ao tratar a legalidade dos procedimentos das modificações corporais, o jornalista cruza posição de médico falando sobre procedimento cirúrgico (implante) com resposta sobre piercing. Não esclarece, confunde. E por favor, desculpem a nossa redundância.
Esclarecendo, apesar de serem técnicas que alteram o corpo (implante e body piercing), são procedimentos que oferecem lógicas, procedimentos e visibilidades pontualmente distintas.

Chico também menciona o Rafael Leão como “um dos nomes em ascendência no ofício”. Mais uma vez a irresponsabilidade do jornalista se apresenta. Precisamos esclarecer que o eyeball tattooing é um procedimento que tem sido bastante problemático no Brasil como já tratamos recentemente AQUI. Cabe informar a população que as pessoas que estão fazendo deliberadamente o procedimento no Brasil não passaram por processo algum de formação, pelo simples fato de não existir. Tão pouco se tem registro que essas pessoas tiveram algum tipo de curso ou workshop com Luna Cobra, que foi quem desenvolveu a técnica. Nem com ele e tão pouco com nenhum outro profissional mais experiente. O treinamento que se fala tem se dado através de vídeos em redes sociais. Percebem a situação de risco que temos?

A reação de espanto e desaprovação em relação ao texto e ao jornalista não é só nossa. É inclusive das pessoas que participaram da matéria e cederam suas imagens. A sensação é de terem sido passadas para trás. Conversamos com o Luciano Iritsu que se mostrou bastante insatisfeito e não poderia haver outro sentimento.
Compartilharemos abaixo – sem edição – um trecho da conversa entre Luciano e o jornalista da Folha para que se tenham noção de como as coisas foram tratadas com pouco respeito.

“Luciano Iritsu: e a matéria?está tudo certo?vc viu as fotos do jorge percussionista que trabalha no coletivo 3ºcielo que irá se apresentar no frrrkcon?
10 de julho

Chico Felitti: Tá tudo certo sim. Vai ter o serviço do Frrrkcon
10 de julho

Luciano Iritsu: Blz…vai ter matéria?ou só o serviço?posso ver antes?desculpe te encher assim, é porque normalmente a midia nos coloca em lugares/posições constrangedoras…rs…estou há um tempo tentando mudar essa visão que a sociedade tem em relação a suspensão…por isso tenho essa preocupação…
11 de julho

Chico Felitti: Tranquilo, Luciano
• Mas mudou a matéria toda, com a aprovação do Ato Médico hoje de manhã
• Vai ser sobre o medo de alguns tatuadores de que a profissão fique ilegal
• E as fotos vão ser um ensaio separado
11 de julho

Luciano Iritsu: Então não vai ser falado do frrrkcon?não entendi…como vão usar minha imagem?
11 de julho

Chico Felitti:Vai ser falado sim
Vai ter o serviço da festa e o da feira” (grifo nosso)

Chega ser irônico que apesar do Luciano ter alertado que a mídia nos coloca em posições pouco agradáveis, o jornalista simplesmente tenha ignorado o alerta. Destratou e faltou com respeito com toda a comunidade da modificação corporal brasileira e principalmente com as pessoas que gentilmente cederam tempo, saliva e imagem para a construção de uma matéria tão sem fundamento.

Uma vez ouvimos que as pessoas poderiam ser mais ou menos em diversas situações. No entanto, era impossível que alguém fosse mais ou menos ético. Você é ou não.
No texto publicado na Folha isso fica bem claro para gente.

O mínimo que poderia acontecer é uma retratação pública por parte do jornal e do respectivo jornalista. Mas sabemos que isso não deve acontecer.

Fica aqui a nossa crítica e toda a nossa indignação pelo conteúdo da matéria escrita por Chico Felliti.
Você não nos representa.

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(A Folha de São Paulo tem vínculo com a UOL, assim sendo a matéria esteve na página principal no domingo)

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7 thoughts on “Tatuadores e perfuradores de SP temem efeitos de uma imprensa sensacionalista

  1. Nunca vi nenhuma matéria veiculada pelas grandes midias que tratasse modificação corporal com respeito, sempre foi um prato cheio pra jornalismo sensacionalista. Todo cuidado é pouco com esse tipo de oportunismo.

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